O DESPERTAR

O DESPERTAR

Autor: Linx

- Abre os teus olhos.

No momento que ouvi essa frase, senti que minhas pálpebras não eram mais tão pesadas e, aos poucos, conseguia abri-las. No começo eram apenas imagens embaçadas, borrões de tinta numa tela suja, mas logo tudo começou a tomar forma. Vi-me em cima de um cume, vestido com meu longo hábito, mas todo sujo e rasgado

- Onde estou?

Ele então me apontou o horizonte, apontou algo que me lembrava o sol, uma grande bola vermelha, como sangue vivo, que irradiava uma luz avermelhada. Seu dedo foi seguindo, apontando por vielas sujas, cheias de casebres, uma ao lado da outra, feitas com algo que me parecia ser barro e pedaços de madeira podre, como as velhas casas de pau-a-pique do semi-árido. Por entre essas vielas, um amontoado de pessoas, com seus rostos deformados, trajando roupas esfarrapadas e encardidas.

Muitas pareciam gritar e correr, de um lado ao outro, desesperadas, como que sem rumo ou prumo, sem saber onde ir. Outras estavam paradas, olhando para baixo, e nos seus rosto podiam-se ver caminhos feitos por lagrimas de sangue que corriam de seus olhos.

Havia também um cheiro no ar. Um cheiro insuportável de carniça e vômito, que até me fazia arder os olhos. E o calor que fazia abafava ainda mais o ambiente, me parecendo fazer sentir aquele cheiro grudar em meu corpo.

Aquilo era o horrorizante, insuportável. Meu estômago estava embrulhado, mas sentia que não tinha mais nada para vomitar. Meus olhos quiseram se encher de lagrimas, mas elas também haviam secado. Tentei elevar meu pensamento a Deus, mas, na mesma hora, o ser ao meu lado riu horrendamente e me fez voltar os olhos novamente àquelas pessoas deformadas, que habitavam aqueles casebres insalubres.

- Quem és?

- Não sabes? Claro que sabes.

A pergunta veio como que acompanhada da resposta. Claro que eu sabia quem era, mas não podia acreditar naquilo. Como podia estar ao lado de Lúcifer? Como eu, um fiel, temente a D... – a palavra minha mente não ousou terminar, e uma leve dor invadiu minha nuca.

- Eu estou no inferno?

- Sabes que sim e sabes que nunca saíste dele; por mais que te tenhas escondido dentro daqueles muros, sabias que nunca conseguiria sair dele

- Por que estou aqui, se sou um homem temente, que glorificou toda a vida a ... – as palavras novamente me fugiram da mente e aquela dor voltou com mais intensidade.

- Achas que ele algum dia ligou pra ti, meu caro?

- Mas eu dediquei minha vida toda a ele – uma leve dor novamente. –Por que na hora de minha morte ele me abandonou?

- Não entendeste ainda. Tu não morreste, apenas despertastes.

A realidade veio à tona como um raio que corta um carvalho velho ao meio. Minha mente se abriu e tudo se tornou claro a mim. Não estava eu morto, não estava em outra qualquer dimensão. Eu estava apenas onde sempre estive, mas de onde sempre quis fugir e que por toda minha vida me recusei a ver; diante de mim não estava algum hades mitológico, apenas o verdadeiro inferno; a realidade...

“Quando se deitar, reze para acordar.
Quando acordar, reze para nunca deixar de sonhar...”

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