O GAROTO PERDIDO

O GAROTO PERDIDO

Autora: Fabíola Colares

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Segurando pelo filtro do cigarro, olhou em volta para se desfazer do incômodo de estar sozinho sem ser observado quando chegou ao mesmo lugar que sempre esteve desde que começou a descobrir seu mundo como um vazio indefinido e sem emoções.

Aquela vida sem ideais e sem expectativas o fazia viciado em ser mais e mais entregue às vicissitudes de uma solidão que não tinha início nem fim e que clamava a aplacação de uma insaciedade constante que o consumia, levando-o cada vez mais e mais aos precipícios de vícios químicos e amizades sem futuro.

Tédio seria a palavra para definir seu humor inconstante de menino pós-moderno sempre disposto a encontrar a emoção de ser e estar sempre presente a eventos diversos os quais sempre era requisitado pelos mesmos e únicos amigos.

A impressão passada como um tédio constante, destoava com o sorriso sempre aberto para os momentos inesperados de conquistas de mais um olhar para sua próxima pose de garoto interessante.

Uma beleza aparentemente simples, mas se bem observada era tão interessante que atraía a homens e mulheres. Alvo de olhares. E ele se espelhava em todos como dono e com o ego maior que sua própria característica de ser cada vez mais posudo. Cada sorriso um flash. Melhor ser visto como algo esperado do que passar despercebido pelo mundo de sombras.

E a noite terminava em mais uma daquelas prováveis farras regadas ao brilho ilusório e ao líquido embriagante que seduz mais que a necessidade de ser e estar amado.

Amanhecia como anoitecia, entorpecido por químicas diferentes, para tornar a amanhecer sem nenhuma expectativa real de melhoria.

Perdido em meio à selva de suas próprias insignificâncias levava uma vida vegetativa seguindo hábitos mais por comodismo do que por uma satisfação pessoal.

Um personagem criado para esconder mais e mais a tristeza de querer manter a máscara da falta de necessidade de precisar dos que estão à volta. Talvez seja uma escapatória e uma maneira de se conseguir ludibriar a solidão insistente e inquietante que há muito tempo deixou de ser uma companheira opcional.

Perdido na selva das vaidades ínfimas, comprazia-se em tornar seu ego um troféu de si mesmo ao acreditar ser mais e melhor do que a coisa toda que o envolvia como uma rede de ilusório protecionismo, fiando-se na mediocridade de conseguir pequenos favores sem nunca dar um retorno à não ser sua amizade indispensável a quem, tão vazio quanto ele, pretendia ter um motivo forte para não retribuir o que ninguém tem a necessidade de compartilhar. E deixando de lado as coisas frívolas, como valores morais, curte a vida enquanto espera o momento certo de ter mais e mais meios para continuar curtindo como se sua vinda ao mundo fosse uma inacabável viagem de férias e não tivesse mesmo nenhum motivo importante em todo o plano divino para sua presença.

Mas naquela noite não. O momento esperava para que pudesse se fazer cada vez mais pertencente ao que o mundo tem a oferecer e não perderia a chance de usufruir os rock’s oferecidos de maneira tão gratuita assim. Aliando o bom humor da noite ao seu irresistível charme de garoto dos anos noventa, arrumou o cabelo, olhando-se no espelho da vaidade maior que era a sua própria vaidade. E lá se foi para o ataque e para a verdadeira face de tormenta do amor: a certeza de ir, ver e fazer todas as coisas e voltar para casa sozinho, vazio e cheio de todas as coisas que podem deixar o ser humano menos puro.

O nariz arqueado, os olhos miúdos e brilhantes e um sorriso sempre superficial aos que não conhecia. Tinha cara de menino apesar da barba sempre por fazer de propósito e atitudes mascaradas pelos sonhos não realizados e inesperada presunção de se achar superior à maioria das pessoas. Mas não era nada disso. Quem o conhecia sabia da sua insegurança e ansiedade que teimava mostrar-se discretamente nas unhas ruídas e nos olhares de canto de olho à espera de reconhecimento das suas tiradas espirituosas.

O garoto perdido era um homem, mas nunca entendeu que o crescimento vem primeiro do interior.

Saber-se sozinho, recolhido em sua segurança de casa, chorava com a cara enterrada no travesseiro esperando as melhorias de uma vida mais amena dentro do turbilhão de emoções que era seu coração.

A introdução pode parecer cruel ao se analisar um ser humano com tamanho ego. Mas nada é mais cruel do que a certeza de observar primeiro as coisas que não prestam em alguém porque nos incomoda tanto que parece um espelho de nós mesmos.

Tenho a perdição de ser e estar sozinha entregue às vicissitudes do meu próprio ego e perdida como o garoto que se encontra descrevendo amenidades e superficialidades para se fazer menos inútil até mesmo para si.

Não há crítica que doa mais do que a que fazemos através de outras pessoas tão execráveis quanto nós mesmos.

Medo de se entregar de verdade ao que temos de melhor porque ser melhor dói. Ser melhor é demonstrar a fraqueza de ser mais. E a desilusão mostra a superficialidade de todos os momentos que vivemos dispostos a darmos amor apenas por amor. Geralmente recebemos de volta a ingratidão e o abandono. Isso dói mais que qualquer ferida aberta. Não é diferente com o garoto perdido. Desde que se apaixonou perdidamente pela primeira vez, viu-se vulnerável ao seu coração e não podia dominar a emoção nem usando todas as máscaras e todos os subterfúgios para fugir e se esconder daqueles sentimentos todos que retumbavam em sua cabeça mais forte que a onda mais poderosa que já teve ao experimentar a química do prazer absoluto.

Era mais do que se amar. E de uma certa forma não podia mais agüentar a falta que sentia de si mesmo com o outro ser que o mostrou melhor e menos vulnerável ao que tinha de pior.

Prisioneiro de si na masmorra da vaidade não teve a capacidade de suportar o peso de carregar o amor com seus pesos e medidas desconcertantes e incoerentes e ao mesmo tempo tão equilibrantes para trazer a redenção.

Já era tarde quando se levantou para sair e se distrair um pouco. Na noite anterior tinha experimentado a sensação de estar-se mais fora de si do que de costume ao tomar uns daqueles inibidores que não inibem nada se tomados concominados com álcool.

Um lixo! Foi assim que acordou naquela manhã de céu azul. Abriu a janela do quarto e colocou o computador para iniciar enquanto ia ao banheiro. Sem camisa, de bermuda de pijama, abriu a geladeira e pegou uma fatia de pizza que sobrara da noite anterior. Aquele gosto de ressaca de cigarro e de beijos inesquecíveis de alguém que nem queria se lembrar no dia seguinte. A caneca cheia de café talvez enchesse o corpo de um pouco mais de animo para tentar conseguir despertar em meio aquela confusão mental do dia seguinte envolto na aura negra de uma farra sinistra.

Mal se lembrava do que realmente tinha feito para estar em tal situação. E sentando-se em frente ao computador, escarafunchava a internet em busca de uma vida para dar sentido à sua. Talvez uma história que poderia ser até mesmo uma estória o tirasse daquela letargia de quando a gente acorda de ressaca às três horas da tarde de um sábado perdido e esperado mais para ter a sensação infantil de fim de semana.

Apoiando o queixo com a mão esquerda, deslizava o cursor do mouse pela lista de contato do messenger. Pegou o maço de cigarros no bolso da calça e segurou um com os dentes enquanto o acendia. No primeiro trago sentiu o estômago revirar. Engoliu a saliva com o gosto da nicotina misturado ao do café como se aquilo fosse um veneno. A cabeça rodopiava e as vistas pesavam quando a janela do messenger piscou. Alguém o chamava para conversar e era mais por nada do que por interesse que abriu a caixa de diálogo para responder ao desconhecido íntimo que trocava com ele todas as sandices virtuais para preencher algo que de tão vazio já não cabia mais.

Deixando de lado as trivialidades foram direto ao assunto e marcaram para mais tarde se encontrarem pela primeira vez.

Desanimado com a possibilidade de uma decepção, levantou-se para tomar banho e ter tempo de escolher algo para vestir. Apesar dos dias ensolarados e quentes, as noites estavam frescas e nas madrugadas soprava um vento gelado. Saiu do banheiro enrolado na toalha e respondeu em monossílabos às perguntas da mãe que falava qualquer coisa sobre a ausência excessiva dele em casa. Entrou no quarto novamente, colocou uma música, abriu o guarda-roupa e ficou se admirando nu ao espelho. A beleza dos seus vinte e poucos anos estava completamente ofuscada pela ressaca. Parecia envolvido numa roupagem de maturidade que não condizia com seu estado de espírito. Nada que um pouco de gel nos cabelos e uma roupa bacana não escondesse. Naquele dia, particularmente, não estava nem um pouco a fim de se preocupar com qualquer coisa referente à beleza. Vestiu as calças surradas, camiseta branca, abrigo vermelho, desses que têm umas listras brancas nas mangas e um All Star sujo para complementar a falta de interesse de parecer montadinho demais para a ocasião de um primeiro encontro.

Saiu sem se despedir de ninguém como sempre fazia e tomou rumo para o mesmo lugar de sempre onde tinha marcado o encontro com o desconhecido.

No horário marcado lá estava o cara esperando para que saíssem dali para algum lugar mais tranqüilo e com menos conhecidos.

Ao entrarem no carro e decidirem para onde iam tomaram a direção para fora da cidade. Atravessaram a ponte e o até então desconhecido estacionou o carro em frente a um bar descolado e tranqüilo naquela hora da noite. Alguns chopes depois, conversavam como se conhecessem um ao outro há anos. Não havia mais motivo para continuarem sentados ali. Saíram para ficarem realmente à vontade, indo para a casa do recém conhecido.

A forma diferente de se conquistar um homem era o que realmente o atraía. Sem aquela de ficar fazendo rodeios para chegar onde finalmente queriam. E naquela carícia violenta que tanto marca o encontro de dois amantes do mesmo sexo, entrou no apartamento do cara aos beijos e amassos.

Bebidas trocadas nos lábios, sexo intenso... Deitados no sofá da sala, abraçados de frente, sentia o corpo do amante colado ao seu como um complemento absoluto de si mesmo. Adormeceu ali para não mais acordar. Pelo que se sabe, foi estrangulado até a morte e deixado num terreno baldio de uma periferia distante. Um corpo inerte. Tão inerte quanto como quando tinha vida.

A falta que fez foi pela maneira com que o crime chocou os ditos amigos. Mas naquela mesma noite, depois do enterro, todos se reuniram para tomar mais uma dose de um líquido embriagante qualquer e viajar no falso brilho em nome do absolutamente nada que todos os dias deixa mais claro que o importante é ser e estar enquanto se pode oferecer algo. Nem que seja a presença inútil como bucha de canhão para detonar a fogueira da vaidade e do egoísmo de se prestar atenção apenas em si mesmo.

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