TOQUE MÁGICO

TOQUE MÁGICO

Autor: JURANDIR ARAGUAIA



Toque Mágico


Jurandir Araguaia


Nossas malas estavam prontas. O dono do Circo não queria que partíssemos, apesar de se encontrar irritado conosco. Estava difícil arranjar um mágico. Meu pai errara muito nas últimas apresentações. Era a última chance. Dessa feita faria números de telecinésia. Os truques eram sempre executados às escuras, com flashes e luzes intermitentes, dificultando a visão dos fios.


Ele não me queria como assistente naquela noite. Fiquei ao lado da platéia, assistindo ao espetáculo como um garoto qualquer. Começou bem, retirando o coelho da cartola. As arquibancadas estavam lotadas, mas a magia não era mais a mesma desde o Mister M; todos se divertiam a tentar adivinhar os truques.


- Essa é velha! – alguém logo gritou. Risos.


Meu pai transpirava. Sempre ficava assim quando estava nervoso. A filha do dono, uma loira falsificada, auxiliava-o nas apresentações. O proprietário estava a um canto, com seu paletó de lantejoulas e esfregando as mãos. Podia adivinhar o que dizia:

- Se ele fracassar de novo é rua. Prefiro ficar sem mágico.


Começou a girar pratos sobre gravetos. De um só golpe derrubaria todos os gravetos e os pratos continuariam girando no ar. Nervoso, acertou os gravetos. Foi um desastre. As pessoas perceberam os fios e um dos pratos deslocou-se no ar, como um disco voador, revelando a grosseria da manobra. O público caiu na risada.


- Esse cara é muito ruim! – ouvi alguém dizer a poucos metros. Recostado no túnel de saída, testemunhava sua humilhação.


Tentaria agora um número fantástico. Moveria um bastão com a força da mente. O público, impaciente, apupava.


- Chega desse sem graça!


Som de tambores. O bastão elevou-se da mesa. Logo faria com que esse pegasse fogo e rodasse em velocidade. Deu tudo errado. Novamente as pessoas viram as linhas saindo de suas mãos. A assistente foi acender o fogo, mas tropeçou inexplicavelmente no ar com a tocha na mão. A mesa incendiou-se. Muita gente entrou no picadeiro para eliminar as chamas. O dono mandou tocarem uma marchinha engraçada para salvar o número. E anunciou:


- E foi mais um número cômico do nosso Mágico Palhaço, o Grande Vandini!


Os aplausos foram poucos. Vaias e um ar de tédio vieram da platéia. Saí em direção ao carro. Quando estava fora, meu pai aproximou-se constrangido. O dono do circo, com um enorme bigode falso, cartola vermelha, chicote e botas lustradas. Esbravejava:


- Mágico de araque. Foi o último prejuízo. Estou rasgando o seu contrato. E rasgou mesmo. Vá embora. Não precisa me pagar nenhuma multa rescisória e eu garanto: vou acabar com sua raça! Não permitirei que trabalhe em nenhum outro circo. Jamais! Suma, suma!


Como estava tudo pronto, partimos. Eu gostava do circo, mas nosso tempo findava. Fui no banco de trás do carro. Brincava com uma caneta. Ele parecia calmo.


- Ficamos livres, não filho?

- Pai, dizia eu. Eu não entendo por que o senhor faz isso?

- Temos que nos mudar quando ameaçam nos descobrir. Já te falei sobre isso.

- Foi culpa minha? – ele se virou e deu um largo sorriso.

- Por enquanto não, você não tem controle.


Lembrei-me da manhã anterior. Tirei um cochilo no picadeiro enquanto ele ensaiava seu número. Quando abri os olhos encontrava-me levitando a mais de três metros de altura. Caí de repente e ia me estatelando ao chão. Meu pai apontou a mão direita espalmada e fez com que meu corpo planasse e pousasse lentamente no solo.


A filha do dono, cuja presença não havíamos notado, viu tudo. Meu pai lhe disse que ensaiávamos um novo número. Nosso segredo ameaçava ser revelado. Eu fazia com que a tampa da caneta flutuasse no ar, usando minha força mental, e deixava-a cair encaixando-a sobre a ponta. Ele se virou e me cravou os olhos que se tornaram amarelados, como se fossem dois pequenos faróis.

- Sabe o que os humanos fariam se soubessem que estamos entre eles?


Balancei a cabeça afirmativamente. Fazia parte de nossa missão passar um tempo conhecendo os hábitos e culturas dos planetas que invadiríamos, mas era cedo para os terrestres descobrirem, muito cedo...

FIM

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