QUANDO O MAR CHAMOU ALAYDA

QUANDO O MAR CHAMOU ALAYDA

Autor: Rogério Silvério de Farias




Em sua casa, na praia ao sul de Maremontes, Alayda cantava, tocando seu piano de forma exuberante. Como cantora e pianista, era soberba, magistral.


Era poetisa, também. E pintora. E amante dos prazeres proibidos do sexo. Vivia para a arte e para a volúpia.


No auge de sua loucura erótica, levou um pobre poeta do interior de Maremontes, Rúbio Perez, a ficar escravo de seus beijos ardentes.


Mas a fome de prazeres pecaminosos levara Alayda a trair o ingênuo Rúbio com um rude e sensual pescador de nome Antero. Foi uma paixão efêmera como um temporal de verão. Não houvera amor, apenas desejos fortuitos de lascívia e lubricidade.


Desgostoso ao saber da traição de Alayda, o tristonho Rúbio atirou-se dos rochedos, precipitando-se ao mar furioso e profundo de Maremontes. Morreu no mar, como convém aos poetas fracassados nas lides do amor.


Alayda, ao saber do acontecido, ficou deprimida. Passou a beber. Lia os versos de Rúbio todas as noites, em voz alta, sob o olhar desconfiado da criadagem. Olhava para o mar bravio, cintilando com as luzes da grande lua cheia refletida em sua superfície rugosa.


Pouco a pouco ela foi enlouquecendo, madrugadas inteiras musicando ao piano os sonetos de amor de Rúbio, com intervalos onde bebia vinho para esquecer seu remorso atroz e contumaz.


O arrependimento por ter magoado e traído o pobre Rúbio era como um punhal de fogo em seu peito. Ela queria morrer, morrer e mais nada.


Até que, com as dores da alma, vieram os primeiros lampejos negros de loucura. A dor do pecado a consumia como uma chama selvagem, queimando-lhe a alma toda. E essa dor refletira-se em seu corpo; outrora ela fora bela e formosa, mas agora as olheiras, as rugas, a vida desregrada em loucuras de sexo pecaminoso com outros pescadores, tudo a tornava feia e repulsiva como uma rameira de pior jaez.


Numa madrugada fria e cinzenta como uma tumba negra do Inferno, ela ouviu aquele chamado distante, parecendo vindo do mar, parecendo ser o próprio mar ou uma entidade humana acrescentada ao mesmo...


- Alayda!...Alayda!...Alayda, querida!...Meu amor!...


E foram noites e noites frias onde o mar parecia chamar Alayda, enlouquecida, bêbada, arrependida. Ela não mais dormia, a vida tornara-se um fardo insuportável, uma prisão irremediável, um veneno lento de efeitos pungentes.


Certa noite em que as brumas densas envolviam a praia como que fantasmas oriundos das fossas negras do Inferno, Alayda buscou aquela voz gutural e profunda, proveniente do mar revoltoso da cidade costeira de Maremontes.


Deixando marcas de seus pés na areia branca, Alayda, com seu longo e sensual vestido branco e seus cabelos dourados e desgrenhados balançando ao sabor da pequena brisa que também fazia rodopiar lentamente as névoas, foi caminhando, como que indo ao encontro da estranha voz que vinha do mar, a voz que, agora, ela percebia, tinha um timbre familiar, fúnebre; lembrava, vagamente, a doce voz de Rúbio, o poeta fracassado na vida e no amor.


- Alayda!...Alayda!... Alayda, meu amor!... Venha! Venha, Alaydaaaaa! Venha morrer comigo, Alaydaaaa!...


E Alayda, tremendo de frio, o juízo perdido para sempre, caminhou lentamente entre as sombras da noite, caminhou para o mar, adentrando-o e desaparecendo em suas águas gélidas e turbulentas.


E foi assim que Alayda sumiu nas águas do mar de Maremontes, naquela noite sombria, onde as névoas bailavam ao luar. O mar chamara Alayda para a morte!


* * *


Pela manhã, a criadagem da casa sentiu a falta de Alayda. Ela costumava tocar piano todas as manhãs. Num instante todos sabiam do desaparecimento de Alayda.


Os pescadores, entre eles o rude Antero, ex-amante de Alayda, viram as pegadas na areia. Antero sabia: aquelas marcas delicadas de um pequeno pé, só podiam ser de Alayda; além disso, ainda pairava no ar aquele perfume que só ela usava, um perfume de amor selvagem e libidinoso.


Não havia dúvida para o povo de Maremontes, ela morrera no mar. Suicidara-se. Morrera. Como morrem todos aqueles que amam a poesia tristonha do amor e os poetas fracassados nesta vida estranha e ruim.

FIM

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