OS NOVOS VIZINHOS

OS NOVOS VIZINHOS

Autor: Jurandir Araguaia.

360"

Os Novos Vizinhos

O corretor de imóveis sorria de orelha a orelha.

Maria Elisa e eu procurávamos uma adorável casinha e rapidamente decidimos fechar aquele negócio. Uma pechincha. Era praticamente um condomínio fechado. A casa, toda pintada de azul, com janelas em madeira pintadas de branco, um lindo jardim repleto de petúnias e hortênsias, grades em tom carmim, garagem para 3 carros, 2 confortáveis suítes e ampla sala e cozinha, além de um lindo e bem cuidado gramado aos fundos, completavam o espaço da bela morada.

- O melhor é a vizinhança, dizia o corretor, sossego absoluto.

Na imobiliária éramos tratados com gentileza absoluta. Mudamos rapidamente. Não era necessário fazer nenhum conserto ou reparo, a não ser para adaptar um ou outro móvel ou armário.

Ficamos felizes.

- Escuta, disse Maria Elisa ao corretor, assim que olhamos a casa, e os vizinhos, como são?

- Um sossego. A senhora nem imagina. Por aqui só moram velhinhos ou pessoas que passam o dia trabalhando fora. Mas a vizinhança é extremamente segura. Para o bairro só tem uma rua de acesso, como a senhora viu, com uma guarita e segurança. Todos os moradores pagam uma ridícula taxa mensal e o bairro é todo patrulhado. Verdadeiro luxo.

O corretor tinha razão. O bairro parecia uma Suíça tropical. Ruas limpas, praças bem cuidadas, casas em tons coloridos, alegres e vibrantes. Tudo impecável.

- Mas e as pessoas, as crianças? - pergunta Maria Elisa.

- Crianças na escola e pais no trabalho. Bairro de classe média, média alta, vocês acharam um tesouro, um tesouro, e o corretor sorria.

Estávamos contentes. Casa boa, bonita e barata. Pequena, mas com excelente gosto e uma vizinhança distinta. Tudo perfeito.

Mudança

Mudamos rapidamente. Tudo instalado e montado em um dia. Chegou a noite. Tomamos um banho e nos estatelamos no sofá da sala, moídos pelo cansaço. Lembramos que éramos um casal, recém-casados, e que era quase uma lua-de-mel. Começamos as carícias e beijos. No auge do clima a campainha toca.

- Deve ser engano, disse para ela e tentei voltar ao clima. A campainha toca de novo.

- Vamos atender, disse Maria Elisa saltando do sofá em um pulo e abrindo uma fresta na cortina da sala para ver quem era.

- Um casal de velhinhos, ela falou.

Ajeitamos nossas roupas para dar um aspecto decente. Fui até o portão. Um sorridente casal de idosos apresentou-se como nossos vizinhos.

- Entrem, por favor, entrem – convidei.

Boas-vindas

O simpático casal morava em frente. Trouxeram uma sexta com bolinhos e doces caseiros. Ambos tinham os olhos azuis e disseram ser filhos de belgas.

A conversa correu agradável por vários minutos. Despediram-se, mas antes nos convidaram para, na próxima sexta-feira, ou seja, amanhã, nos dirigirmos à sua casa para jantar, quando nos apresentariam para outros moradores da localidade.

Aceitamos, é claro.

Dia Seguinte

Dormimos muito bem na primeira noite.

Estranhei o fato de só perceber movimento nas casas a partir do entardecer. Mas lembrei que era um bairro onde todos trabalhavam. Achei normal.

Acordei tarde e resolvi fazer uma caminhada pela vizinhança para conhecer melhor o local. Maria Elisa resolveu ficar para ajeitar mais algumas coisas.

Na casa do bom casal de velhinhos, percebi a presença de dois enormes cães à entrada. Pastores alemães. Magros e esguios. Sentados na varanda me observavam com curiosidade. Aproximei-me do portão para saldar os vizinhos e novamente agradecer à gentileza.

Não havia campainha.

O cachorro maior aproximou-se calmamente. Bati palmas. O cão latiu em fúria e atirou-se às grades na tentativa de morder-me.

- Coisa de louco! Exclamei e afastei-me. Tentei bater palmas de novo. O cão latiu ruidosamente. Andei de costas. Desci do meio-fio e parei no meio da rua. Olhei para os lados a rua estava completamente deserta. Sem carros ou pessoas.

Comecei a caminhar. Todas eram casas lindas e limpas. À medida que andava percebi as varandas com vários cães. Enormes. Os pastores alemães dominavam. Havia também rotvaillers, dobermans e pit-bulls.

- Povinho que gosta de cachorro, pensei.

Caminhei por uma hora familiarizando-me com a região.

Tentei aproximar-me de outras casas. Os cães avançavam, ameaçadores. Voltei para casa sentindo que era observado em cada passo. No entanto, para meu desespero, somente os animais estavam em casa.

Senti grande alívio ao voltar.

Confissão

Disse para Maria Elisa o que senti.

- Bobagem, ela respondeu. Você sabe que todos por aqui trabalham. Nós também, a partir da semana que vem. Ou você se esqueceu que as férias estão acabando?

Era verdade. Saímos de férias para nos casar, viajar e arrumar a casa. Vida moderna é um sufoco. Temos que fazer tudo em um tempo só. Felizmente foi fácil e rápido encontrar a casa. Casamos e logo saímos do aluguel do meu apartamento. Agora era desfrutar a vida.

No meio da tarde eu ia sair para fazer compras. Tirei o carro da garagem. Saí para fechar o portão e levei um susto. Dois enormes cachorros, sendo um do meu vizinho de frente, o bom velhinho, estavam diante de minha presença.

Congelei. Seus enormes olhos. A boca arfando. Os dentes à mostra.

- Vou apenas fazer compras. Não sei por que disse aquilo, talvez defesa, intuição. Falar com cachorros? Acho que estava ficando louco. Entrei calmamente no carro após fechar o portão. Eu tremia e suava.

Noite Feliz

Maria Elisa estava linda, como nunca. Na hora marcada fomos ao jantar. Havia música na casa, muitas pessoas sorridentes na entrada. Todos nos observavam e cumprimentavam alegremente. Crianças corriam.

Sentimo-nos muito bem.

Serviram vinho de ótima qualidade e canapés. O bom velhinho anunciou o jantar.

Uma mesa no centro da sala apenas com dois lugares, muito bem preparada. Ficamos constrangidos. As velhinhas, entre sorrisos, assentaram Maria Elisa em uma ponta e eu em outra. Não sabíamos como dizer não. Eram tão amáveis.

O velhinho começou a fazer um discurso em uma língua estrangeira desconhecida. Todos ficaram calados, como se rezassem. A música foi desligada. As crianças estavam sentadas em torno da mesa, à nossa volta fechou-se um paredão de pessoas.

Convidaram-nos a fechar os olhos. Era um tipo de oração. Fizemos o que ordenaram. O velhinho continuou a falar. Senti um frio, uma lufada de ar, um arrepio na coluna. Ousei abrir um dos olhos. Olhei em volta. Não sei descrever a intensidade daquele medo.

Estávamos cercados por cães, ferozes, enormes, de diversas espécies. Apenas o velhinho ao lado da mesa era a única figura humana. Maria Elisa também abriu os olhos. Em pânico ela me olhou, lágrimas brotaram. Ela pedia socorro. Eu não sabia o que fazer.

O velhinho, sorrindo sarcasticamente, falou:

- Não posso explicar tudo, não daria tempo e seria uma história longa e desgastante, mas a nossa família tem que continuar a existir. Sejam bem-vindos para o jantar...

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