A SÉTIMA PÉTALA

A SÉTIMA PÉTALA

Autor: MÁRCIO BORDIN



3h50min. Da madrugada. Erik acordou com o irritante som do telefone tocando. Assustado com a hipótese de ter acontecido algo de grave com alguém de sua família, mais do que depressa ele atende o aparelho, porém, quando coloca o fone no ouvido, não ouve absolutamente nada, seu telefone está mudo. Estava muito tarde para conferir o que tinha acontecido com sua linha, deixou para cuidar disso pela manha bem cedo e, quanto ao fato de tê-lo ouvido tocando, talvez tivesse sido apenas um sonho. Então o jovem advogado decidiu voltar a dormir, pois teria que estar no tribunal às sete da manha, mas, quando repousa sua cabeça sobre o travesseiro, é a campainha que começa a tocar.Rapidamente ele veste um roupão e desce as escadas, correndo, para atender à porta, não sem antes pegar o revolver calibre 38 na gaveta de seu criado-mudo, nunca se sabe quem pode estar do outro lado da porta a essa hora da noite. Cuidadosamente, Erik esconde a mão que segura a arma atrás da porta. Abrindo-a poucos centímetros com a mão livre, apenas uma pequena fresta, o suficiente para ter uma boa visão da frente de sua casa. Mas não viu ninguém, absolutamente ninguém. Irritadíssimo com a brincadeira de mau gosto que algum moleque lhe pregou, o rapaz abre a porta por completo e corre até a rua na esperança de conseguir ver quem foi o garoto que tocou sua campainha e fugiu. A rua também estava vazia, não avistou nenhuma alma viva até onde seus olhos alcançaram, apenas um enorme cão negro estava parado na calçada do outro lado da rua, como se silenciosamente observasse os movimentos do jovem Erik. O rapaz nem dá atenção para o animal e volta para dentro de sua casa. Ele estava irritadíssimo, mesmo assim precisava dormir. Antes de fechar a porta por definitivo, Erik dá uma última olhada na rua e, dessa vez, nem mesmo o cão está mais lá. O jovem bate a porta com força, trancando-a; quando se vira, surpreende-se com um estranho homem sentado em sua poltrona favorita, posicionada de frente para a porta. Um homem de pele muito clara, trajando terno branco e chapéu da mesma cor que lhe cobria os olhos e parte do rosto. No bolso do elegante paletó, o homem trazia uma rosa vermelha. Apavorado, Erik empunha a sua arma, apontando-a para o peito do intruso.

- Quem é você e, como passou por mim sem que eu lhe visse?

Nada, nenhuma resposta, o estranho permanece em total silêncio.

- Saia de minha casa agora, se não, eu vou atirar, eu juro que atiro.

O silêncio é quebrado pela mais horripilante gargalhada que Erik já teria ouvido, o riso ensurdecedor parecia vir de todos os cômodos da casa direto ao cérebro do jovem. Ao término da mórbida alegria, o estranho volta a ficar silente, enfiando a mão no bolso interno de seu paletó. Tal atitude deixou Erick apavorado, disparando três tiros em direção ao peito do sujeito. Mas o intruso não esboçou nenhuma reação, nem de susto, nem de medo e muito menos de dor, era como se as balas tivessem desviado de seu corpo. Como se nada tivesse acontecido, o homem tira do bolso um maço de cigarros, põe um cigarro na boca, encosta a unha comprida e pontiaguda do dedo indicador na ponta do mesmo e acende-o. Após uma longa tragada, o estranho assopra a fumaça em direção ao Erik e, em seguida, novamente sua gargalhada toma conta de todo o ambiente. Enfim, o estranho homem começa a falar.

- Homens! Os mais estúpidos dos animais. A única criação a quem “ele” conferiu o dom do raciocínio, e toda a inteligência foi usada para a autodestruição: dos cigarros às armas, das bebidas à bomba-atômica, tudo o que vocês sabiamente conseguiram criar de algum modo os leva à morte. Tolos mortais usaram da sabedoria para se tornarem os mais estúpidos dentre os animais.

- Quem é você? Responde, maldito - Erik pergunta aos berros, tentando controlar a tremedeira de seu braço e continuar apontando a arma para o estranho.

- Quem sou eu - o sujeito se levanta; nesse momento Erik vê no encosto da poltrona na qual o homem estava sentado três buracos de balas. Percebendo que a arma não causaria nada no estranho invasor, o rapaz a deixa cair no chão. Então o estranho, ainda sem levantar a cabeça, continua a falar:

- Você sabe quem eu sou! Quando você era criança, todas as noites antes de dormir você olhava em baixo da cama para ver se eu estava lá... E eu estava; você não me enxergava, mas eu estava... Vocês, pobres idiotas, me deram muitos nomes e muitas faces, uma mais horrenda que a outra, ignorando até mesmo a maldita Bíblia que diz que “ele” me criou tão belo e poderoso quanto a si mesmo... Deram-me chifres e rabo, me chamam de capeta, de diabo, de demônio, de satanás, hades, belzebu... Outrora já fui chamado de o portador da luz, meu nome é Lúcifer... A mais poderosa criação divina.

Nesse momento, Erik sente todo seu corpo estremecer, suas pernas já não agüentam mais o próprio peso, ele cai sentado no sofá tentando inutilmente controlar seu temor. Gaguejando, ele pergunta:

- E, o que você quer... quer de mim?

O nefasto homem calmamente caminha em direção a Erik, seu chapéu continua escondendo seus olhos; pausadamente, ele volta a falar:

- A sua alma, eu quero a sua alma e, nesse momento, ela me pertence, mas para a sua sorte, eu e “ele” resolvemos lhe dar uma chance de reparar sua vida e se livrar do peso de seu pecado...

- Pecado? Que pecado? Não tenho nenhum pecado!

Tomado de uma fúria sem igual, Lúcifer agarra o jovem advogado pela garganta, cravando as unhas pontiagudas em seu pescoço, levantando-o do sofá com apenas uma das mãos, e finalmente mostrando seus olhos, que até então estavam escondidos sob a aba do chapéu. Lançando um olhar fixos nos olhos de Erik, um olhar todo negro, profundo, execrável, um olhar carregado de toda maldade que há no inferno, Lúcifer começa a gritar:

- Não minta para mim, idiota. Você pode mentir para a mulher que você deixou viúva, você pode mentir para o garoto que você deixou sem pai aos seis anos de idade, você pode mentir para a polícia, você pode mentir até para você mesmo, mas você não pode mentir para mim, nunca minta para mim, eu conheço seu pecado, eu conheço os pecados de todos os homens. Eu estava lá quando você atropelou aquele infeliz e fugiu, deixando-o para morrer... Eu conheço todos os pecados... Eu estou por trás de todos eles... Eu sou o pecado.

Lúcifer solta o pescoço de Erik, deixando-o cair novamente sentado no sofá, voltando a falar calma e pausadamente, enquanto retorna para a poltrona que estava:

- Mas como eu já disse, hoje é seu dia de sorte. Entre milhões de prováveis candidatos, você foi escolhido e terá a chance de mostrar para “ele” que seu lugar não é no inferno.

O sinistro sujeito coloca a mão com a palma para baixo sobre a mesa de centro localizada em sua frente e, lentamente, vai levantando a mão. Fazendo aparecer um copo cristalino sobre a palma, encosta sua unha comprida na boca desse copo, enchendo-o de água. Erick observa apavorado a cena. Lúcifer rindo da situação diz ao jovem:

- Não se assuste com isso, sempre faço água escorrer pelos olhos das imagens que vocês chamam de santas, só para ver até onde vai a estupidez humana. Como é divertido ver todos se ajoelhando e pedindo por um milagre a um pedaço de gesso! “Ele” já me pediu varias vezes para não fazer mais isso, mas eu não resisto, eu faço e vocês choram, se ajoelham e adoram, mesmo “ele” lhes pedindo para não adorarem imagens.

Lúcifer retira de seu bolso a bela rosa vermelha, depositando-a dentro da água.

- Sete pétalas, é o tempo que você terá, nem mais, nem menos. Seu tempo é mínimo, mas suficiente. Espero que o aproveite. Se não conseguir, quando a sétima pétala dessa rosa cair... Eu voltarei para buscá-lo.

Erik abaixa a cabeça, apoiando-a nas mãos, não acreditando que aquilo estava lhe acontecendo. Mais uma vez a maldita gargalhada penetra em seu cérebro, o jovem volta o olhar para o seu indesejável visitante, ele não estava mais lá, foi embora deixando apenas a rosa sobre a mesa branca. Erik volta a seu quarto, cabisbaixo, ainda assombrado com o recente acontecimento. Ele queria acordar e ver que tudo não passou de um pesadelo, mas a dor que sentia no pescoço, causada pelas unhas do intruso, era bem real. Andava de um lado a outro do quarto, lembrando-se, como se tivesse sido ontem, aquela maldita tarde em que saiu com seu carro, às pressas, para um julgamento em que ele era o advogado de defesa. Era seu primeiro caso, por isso seu nervosismo estava à flor da pele e como que por um descaso do acaso, um homem completamente bêbado entrou na frente de seu carro. Erik não teve tempo para reação, ele mal viu de onde o homem surgiu e quando se deu conta o infeliz já estava sendo atirado por cima do carro. Assustado e confuso, Erik freou de repente e pela janela do veiculo olhou para aquele corpo estendido no asfalto, o sangue formando uma imensa poça vermelha em volta da cabeça. Nem mesmo ele entendeu o porquê, mas a única coisa que lhe veio à mente naquele momento foi deixar o local. Não conseguia acreditar que tal tragédia aconteceu com ele. O envolvimento de um advogado - principalmente sendo recém-formado - em um homicídio, fosse ele culposo ou doloso, seria uma mancha difícil de apagar. Não tinha mais ninguém nas ruas, somente Erik e aquele corpo deitado no asfalto, então o rapaz acelerou o carro e se evadiu do local, sem olhar para trás, deixando apenas o corpo sem movimento mergulhado naquela poça de sangue. Erik pediu para adiar o julgamento, alegando problemas de saúde e durante o resto do dia ele permaneceu trancado em seu escritório, tentando fingir que nada aconteceu. Mas a consciência é o pior dos torturadores para os homens de bom caráter. O jovem Erik não conseguia esquecer aquela cena, aquele corpo estendido no asfalto, tentou dormir, mas aquela mancha de sangue estava em seus sonhos, estava em sua mente. Depois de uma noite mal dormida, ele decidiu tentar descobrir quem era aquele homem, procurou a polícia com a desculpa de ter lido sobre o caso no jornal e queria oferecer os seus serviços de advogado à família da vitima, em caso de moverem um processo contra o condutor do veiculo. Na delegacia, Erik descobriu que o homem se chamava Felipe Latorre, era casado e pai de um garoto de seis anos. Felipe tinha perdido o emprego na manhã do acidente, a polícia acreditava que esse tenha sido o motivo de um provável suicídio, porém ainda procuravam pelo condutor do veiculo. Suicídio ou não, o condutor se evadiu do local sem prestar socorro à vitima. O jovem advogado deixou seu cartão com o sargento que o atendeu e deixou a delegacia. Tendo em mãos o nome do homem atropelado, foi fácil para Erik descobrir o seu endereço. Acabou conhecendo a viúva, Sara Latorre, e seu filho Luan. Também se aproximou de Sara com a desculpa de querer oferecer os seus serviços. Enquanto chorava a morte do marido, a mulher lhe confidenciou que era casado com um homem doente, um viciado em jogos. Felipe estava sufocado até o pescoço em dividas e por isso estava deixando-o, não agüentava mais ver o homem que amava perder tudo que ganhava em uma mesa de pôquer. Na manha do acidente, seu marido tinha perdido o emprego, ele pegou tudo que recebera por seu tempo de serviço na firma e, na tentativa de dobrar o valor para saldar as divida, ele acabou perdendo tudo no jogo. Em desespero, ele encheu a cara de bebida, mandou uma mensagem pelo celular à sua amada esposa Sara, com poucas palavras, que diziam: “Me desculpe por não ter sido o marido de teus sonhos, diga ao Luan que o amo muito, amo muito vocês dois e sempre os amarei... Adeus”, e, em seguida pulou na frente do primeiro carro que apareceu.

Descobrir que realmente se tratava de um suicídio aliviou o torturante sentimento de culpa do rapaz, esquecendo-se do fato que, sendo suicídio ou não, ele deveria ter tentado salvar a vida do desiludido homem de todas as formas, mas não o fez. Erik decidiu seguir sua vida normalmente, como se nada tivesse acontecido... Até hoje, porém ele não esperava que o passado voltasse para lhe cobrar essa divida. Erik abre a gaveta do criado-mudo ao lado de sua cama. Após vasculhar a papelada lá esquecida, ele encontra uma agenda antiga; folheando-a rapidamente, ele pára letra “S”, e localiza um nome: Sara. Pega o telefone, mas ao colocá-lo no ouvido percebe que o mesmo ainda está mudo, então ele pega o celular, mas antes de ligar Erik olha as horas marcadas no visor do aparelho, são 4h20min. Da madrugada, ele resolve esperar que o dia amanheça, desce as escadas correndo, a fim de conferir como estava a maldita rosa. Sente um alivio ao vê-la ainda intacta, coloca o celular na mesma mesa em que se encontra a rosa e se senta na poltrona, apoiando a cabeça sobre as mãos, observando a singela e odiada flor. Inquieto, Erik se levanta e dá varias voltas ao redor da mesa, indo e vindo, sentando novamente e levantando, iniciando novas voltas, não tirando nem por um segundo o olho da rosa. Seus nervos estavam completamente fora de controle. Volta a conferir as horas, são 4h50min. Ainda é cedo, mas ele não consegue mais esperar, ele sabe que logo a primeira pétala cairia, pega a agenda do bolso e liga para o numero ao lado do nome de Sara. Um frio lhe percorre a espinha ao ouvir a voz sonolenta de uma mulher do outro lado da linha, ao mesmo tempo em que seus olhos vêem a primeira pétala da rosa delicadamente se desprender da bela flor e repousar sobre a mesa de mogno branco.

- Alo! - Responde a voz feminina

- Alo, Sara?

- Sim!

- Sara, sou eu... Erik... Lembra-se de mim?

- Erik?!? Eu me lembro. O advogado que me procurou quando meu marido... Bem; eu me lembro de você sim.

- Desculpe-me por ligar a essa hora, mas eu preciso falar com você.

- Aconteceu alguma coisa? Você parece nervoso. - Pergunta Sara ao notar um tom de aflito na voz de Erik.

- Sim, aconteceu, mas, se eu lhe contasse, com certeza você não acreditaria em mim, então não vou me arriscar a ser ridicularizado por você.

- Pela hora que você me ligou, só pode ser algo de muita urgência, então fale.

- Deixa-me ir direto ao assunto... Lembra-se do acidente de seu marido?... É claro que se lembra, mais que pergunta idiota a minha... Bem; eu não fui sincero com você quando lhe procurei.

- Como assim?

- Era eu que... Fui eu que atropelei... O seu marido.

- Erik... Eu sei... Eu sempre soube.

Erik se surpreende com a resposta da jovem viúva.

- Você sempre soube? Como assim?

- Toda vez que você olhava para mim ou para meu filho eu enxergava um pedido de desculpas em seus olhos, eu sentia que você estava sendo torturado pelo que tinha lhe acontecido, por isso nunca toquei no assunto, mas isso já faz um ano. Por que resolveu me dizer agora?

- Você não acreditaria em meus motivos, só entenda que eu precisava me confessar com você.

A segunda pétala cai sobre a mesa. Erik volta a falar com descontrole.

- Você está precisando de dinheiro? Eu lhe ajudo, eu lhe ajudo com o que você precisar.

- Erik, as coisas estão mesmo difíceis, mas não quero a sua ajuda. Eu sei que você não teve culpa na morte de meu marido. Se não fosse o seu carro, seria o de outra pessoa.

O suor frio escorre sem parar na testa do rapaz, suas mãos trêmulas mal conseguem segurar o celular ao ver a terceira pétala se desprender da rosa.

- Mas eu tenho uma dose de culpa... Eu não o ajudei... Eu não sei por que eu fiz isso, talvez tivesse ficado com medo de prejudicar a minha carreira com o envolvimento em um acidente como aquele. Eu simplesmente fugi sem nem ao menos descer do carro para ver como seu marido estava. Eu poderia talvez ter-lhe salvo a vida, ou ao menos tentado... Mas não o fiz.

Sara fica em silêncio, Erik consegue ouvi-la chorando ao fundo do fone.

- Sara? Sara?

- Estou aqui! Erik, preste atenção, eu não sei o que aconteceu com você ou porque você resolveu me falar isso depois de tanto tempo, mas sei que, para julgá-lo, eu teria que estar no seu lugar e passar pelo que você passou. Não posso fazer isso e tenho certeza que você já se julgou e se sentenciou. Você é um bom homem Erik, também sei que faria tudo diferente se tivesse uma segunda chance, mas meu marido está morto e nada o trará de volta. Então, por favor, tente esquecer isso e me deixe tentar esquecer também.

A quarta pétala cai, Erik não sabe mais o que deve fazer para salvar a alma.

- O garoto... Luan é esse o nome dele?

- Meu filho?!? O que tem ele?

- Deixe-me fazer algo por ele... Deixe-me pagar os estudos dele ou algo assim.

Sara pensa por um instante e logo responde:

- Olhe, meu orgulho não me deixa aceitar nenhum favor seu, mesmo passando pelas dificuldades que estou passando. Mas, meu filho não deve sofrer por causa de meu orgulho. Então vou aceitar que você pague os estudos dele se assim você quiser.

- Obrigado Sara, sei que não apagará o que aconteceu, mas...

- Por favor, amanhã falaremos sobre isso, agora tente dormir um pouco. Tchau, Erik.

Sara desliga o telefone. Erik fecha o celular e o recoloca sobre a mesa, olhando atentamente para a rosa. Achando que conseguiu se livrar de Lúcifer, o rapaz esboça um sorriso. Seu sorriso deixa o seu rosto ao ver a quinta pétala caindo, no mesmo instante em que o vulto de um homem de branco aparece em pé ao seu lado. O desespero de Erik retorna ao seu corpo com mais intensidade, então ele gira o rosto para fitar a pessoa em pé ao seu lado, mas não vê ninguém. O jovem, vendo que ainda não está a salvo, pega novamente o celular. Dessa vez ele digita apenas três números.

- Departamento de polícia, boa noite.

- Boa noite. Eu gostaria de falar com o sargento De Lucca.

- São 5h30min. Da manha meu senhor. O sargento De Lucca só chega às 8h.

- Tem algum outro superior de plantão?

- Me desculpe senhor, mas estão todos em ronda. Está acontecendo alguma coisa com o senhor? Quer que eu encaminhe uma viatura até a sua casa?

A sexta pétala também se solta. O jovem advogado sente alguém andando a sua costa, se vira assustado, novamente não tem ninguém. Todo seu corpo treme, o suor gélido escorre sem parar, Erik sente seu coração disparar desenfreada mente.

- O senhor está bem? Que eu encaminhe uma viatura senhor?

- Não será necessário.

Erik desliga o celular ao ver a sétima pétala caindo enquanto ouve novamente a maldita gargalhada penetrar em sua cabeça.

- Seu tempo acabou, meu rapaz.

O jovem advogado se levanta lentamente da poltrona, encarando seu triste destino. Ele queria gritar, correr, se esconder, mas Erik sabe que nada disso adiantaria. Sua cabeça gira sem parar, indo e vindo, do inicio ao fim e voltando, tentando entender onde foi que errou, o que ele deixou de fazer. Seus pensamentos são interrompidos pela voz de seu carrasco invadindo sua mente.

- Pare de se torturar meu rapaz. Você terá toda a eternidade para descobrir onde errou, isso é claro. Quando você não estiver sentindo o seu cérebro pegando fogo ou os chicotes estalando em suas costas, talvez você consiga encontrar algum tempo para pensar onde errou.

Lúcifer pega a rosa do copo, todas as pétalas caídas retornam a seu lugar de origem, a flor está bela e formosa novamente. Erik percebe uma nuvem negra se formando ao seu redor, espectros do inferno se movendo a seus pés, envolvendo-o pouco a pouco. Ele chora, como um menino perdido; ele chora, suas pernas não agüentam o peso de seu sofrimento e se dobram, seus joelhos despencam em direção ao solo. De braços abertos, Erik joga seu corpo para trás, deitando-se sobre as pernas. Seus olhos estão fixos no teto da casa, olhando para o nada, olhando para algo que ele não conseguia enxergar, mas sabia que estava lá, observando a tudo em silêncio. Seus lábios sussurram entre as lágrimas:

- Perdoe-me, pai... Perdoe-me!

De repente, as nuvens negras desaparecem, o indesejável visitante dá alguns passos, parando na frente do rapaz deitado de braços abertos para o céu.

- Conseguiu, meu rapaz. Demorou, mas você conseguiu. Você começou se confessando à viúva, depois você ofereceu ajuda em dinheiro a ela e depois ao filho dela, ligou para a polícia e, a única coisa que “ele” queria, era ouvir um pedido de perdão, um pedido vindo direto de seu coração. Demorou, mas você conseguiu. Tenho que ir agora. Minha casa vive cheia de novos visitantes, não posso ser um anfitrião ausente.

Lúcifer, rindo do próprio comentário sarcástico, dá as costas a Erik, quando esse solta um grito:

- Espere!

- O que você quer? Ah, já sei...

Novamente direcionando aqueles olhos completamente negros aos olhos do advogado, com uma voz de mil leões furiosos, o homem responde a pergunta que não queria calar na cabeça do jovem Erik:

- Não se engane garoto. Eu não sou bom, não sou piedoso... Não sou misericordioso. Vocês malditos mortais conseguiram fazer com que “ele” perdesse a esperança em vocês a ponto de querer por um fim em toda a sua raça... Você, meu caro Erik, foi apenas o escolhido para que eu o convencesse a mudar de idéia, pelo menos por enquanto. O fim do homem sobre a terra convém muito mais a “ele” do que a mim. Sem vocês entre nós, nosso confronto direto seria inevitável e, ainda é cedo para confrontá-lo diretamente... Na hora certa, nós veremos quem é o verdadeiro rei dos reis e quanto a você... Como todo bom advogado, você vai pecar novamente e quando isso acontecer eu estarei esperando por você... Eu estarei esperando por você...

FIM

Comentários

Jasminy Loh disse…
adorei a o conto! bastante elaborado e interessante.

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