EU TENHO MEDO

EU TENHO MEDO

Autor: Robert Filipe





EU TENHO MEDO

Autor: Robert Filipe


Chovia, chovia aquela noite como há muito tempo não chovia naquela pacata cidade do interior, a tempestade havia chegado há pouco tempo, mas já havia afugentado os pouco aventureiros da noite nas estranhas ruas de Fordenville; podia-se ouvir as descargas elétricas estraçalharem arvores e o que mais encontrassem para descontar sua fúria.

O Sr Bill acendia um de seus charutos fedorentos, para espantar o mau cheiro, mau cheiro que talvez nem existisse senão em sua mente, mas seu trabalho não era dos mais agradáveis, por assim dizer; era coveiro e zelador do cemitério de Fordenville, ele podia sentir o cheiro fétido da morte desde o primeiro dia desses 30 anos que trabalhava ali, mas teve de aprender a conviver com ele, e a fumar charutos fedorentos.

Ele estava amparado na pequena janela de seu aposento de duas peças, dentro do que ele chamava de quarto, apreciando a tempestade que caía sobre Fonderville; se ele não estivesse tão acostumado com aquele lugar, ele diria que hoje estava um tanto tenebroso o cemitério, aquela tempestade deixava um clichê de filme de terror pairando no ar, porém Bill já havia passado várias noites de tempestade ali, e há muito já se acostumara. Porém hoje, algo lhe dizia, que algo estava para acontecer.

Ele deitou, e tentou dormir, mesmo sabendo que não iria conseguir; há muito tempo, algo perturbava o seu sono, algo que o fazia ter pesadelos, pesadelos que o faziam passar noites em claro, de medo, puro medo, de ver aquilo que ele via nos seus sonhos. Porém, aquela noite, ele estava muito cansado, algo pesava em sua alma e o levava a fechar suas pálpebras como se por ordem de alguma força sobrenatural; ele continuava observando a tempestade lá fora, porém já não sabia se estava acordado ou dormindo, ficava imaginando os epitáfios do cemitério lá fora, sendo iluminados a cada raio, e da capela, aquela que ele não ousava chegar perto, ele ouvia o chamado, ouvia a batida, como se fosse de um coração, o chamando, chamando sua alma; ele tinha de lutar contra seu corpo para resistir a tentação de não se aproximar, mas era inevitável. Ele podia ouvir vozes sussurrando em seu ouvido, “venha, venha,venha para a cova”...ele sentia o cheiro da morte, mais forte do que nunca; ele não podia resistir ao chamado, e a cada vez mais se aproximava da capela, a portão da capela batia com o vento e os trovões iluminavam a entrada, que ficava em contraste com a escuridão que havia lá dentro...

...O portão batia, soando aquele estranho barulho de ferro enferrujado e que junto com as vozes sussurrantes pareciam deixá-lo hipnotizado; ele entra na capela, há uma escada em forma de caracol, não se enxerga o que o espera lá embaixo, mas a escuridão começa a tomar conta, às vezes os raios iluminam seu caminho, mas cada vez menos.

As vozes ficam mais fortes, não são mais sussurros, agora falam quase a um tom de voz normal, “venha, venha, venha para a cova”. Ele veio, finalmente foi vencido, pela força sobrenatural que o estava enlouquecendo nestes últimos meses; uma trovoada forte lá fora ilumina, e ele enxerga algo que parece se mover lá dentro. “Alguém está aí?” Pergunta o velho zelador-coveiro, sua mão treme, mas ele continua firme, “quem está aí? O cemitério só abre de manhã.”

Ele continua andando vagarosamente e tentando enxergar algum ponto naquela escuridão, porém não encontra nada, segue em frente e o cheiro de morte aumenta cada vez mais, ele pode sentir até uma respiração agora, uma melancólica e triste respiração, seu coração dispara, mas ele continua em silêncio, vai seguindo em frente até que sua mão encontra algo em que possa segurar. Tudo acontece muito rápido, assim que Bill encosta no braço gelado um rosto desfigurado que parece ser de uma criança grita com uma voz estridente que faz com que ele fique surdo por alguns segundos, ele também grita, e acorda, do sonho terrível, acorda suado e com o coração quase saltando para fora, porém a tempestade continua e seu ouvido ainda está dormente, como se realmente tivesse ouvido aquele grito da menina.

Ele fica sentado na cama tentando se acalmar, foi tudo um sonho, foi tudo um sonho, porém ele ainda pode ouvir, ele pode ouvir, o ranger do portão da capela, e ele pode ouvir, o chamado, “venha, venha, venha para a cova”...porém agora ele tem certeza, que está acordado...

FIM

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