A MALDIÇÃO DA VILA DE DEUS

A MALDIÇÃO DA VILA DE DEUS

Autor: LINX



A noite mais uma vez cobria de negro o céu da pacata cidade interiorana, enquanto seus filhos se ponham a dormir o sono tão merecido. A cidade, lindamente batizada de Vila de Deus (quando os primeiros vaqueiros chegaram aqui, depois de correr longos períodos pela caatinga, e se viram diante de um rio que cortava as terras, lhe dando fertilidade e frescor, deram esse nome a região) era das mais pacatas que um ser humano podia habitar, longe de tudo e todos. Era um lugar de uma beleza peculiar, principalmente iluminada a luz da lua cheia a pino, coberta por sua luz de prata, levemente acariciada por uma brisa suave, levemente gelada, típica de começo de inverno na região.


O silencio era quase mortal, estranho para qualquer que fosse a parte da terra, como se o tempo parasse antes dos anjos anunciarem as trombetas do apocalipse.


- Mamãe! Mamãe! O grito estridente era desesperadamente alto, mesclado a um barulho maciço.


Na pequena casa no fim da rua central, o silencio foi cortado, tirando a mãe, que dormia quase em transe. Como quem acorda de um torpor, lentamente seu cérebro começou a processar o que acontecia, até ela ouvir outro grito, mais alto e embutido de choro apavorado, e compreender que aquilo era um grito de seu filho. Com um esforço descomunal, ela pôs os pés no chão frio e correu até o quarto do filho no fim do corredor, abrindo a porta e se pondo dentro do quarto. Dentro dele estava seu filho sentado na cama, olhando para a janela e com um olhar assustado cheio de lagrimas.


- Calma, filho... Disse ela num tom calmo, tentando com isso aliviar a desespero do filho


- Mamãe... Disse ele a olhando. - O que é... - Ele estava muito assustado e mal conseguia falar um palavra sem gaguejar


- Venha aqui, filho. - Disse a mãe lhe estendendo os braços. Por favor, venha


- Mamãe, o que é aquilo?... - Ele gaguejava e apontava o lado de fora.


- Filho... - A mãe abaixou os olhos... - Por que não tomou seu remédio?


- Mamãe, o que está acontecendo? - Ele chorava cada vez mais, soluçando sem parar entre as poucas sílabas que conseguia pronunciar.


A mãe não conseguia se mexer, nem mesmo olhar para seu filho. Uma lagrima vinda de seu rosto pingou no chão, enquanto ela escorregava lentamente até o chão. O filho a fitava sem parar, esperando que de sua boca saísse algo que lhe explicasse o que seus olhos acabaram de ver. Apesar de ter apenas seus oito anos, era uma criança esperta e curiosa. Desde pequeno, não conseguia entender o motivo de tomar um remédio de gosto amargo, que lhe dava dor de cabeça no outro dia, quando se sentia bem, nem mesmo dando-lhe um acesso de tosse. A obediência à mãe sempre foi algo que ele prezava muito, mas sua curiosidade era muito maior e nessa noite resolveu ver o que acontecia se ele deixasse de tomar aquele remédio, cuspindo a colherada que a mãe lhe dera antes de dormir na pia do banheiro, antes de escovar os dentes.


Naquela noite, ele acordou, não conseguindo dormir mais. O dia havia sido entediante, sem nada para se fazer, por isso seu corpo não sentia a mínima necessidade de dormir. Quis ligar a televisão, mas como sua mãe poderia acordar, resolveu ficar um tempo ali na cama, tentando dormir, até que a luz de sua janela lhe chamou a atenção. Bem devagar, ele se levantou e abriu a cortina, encostando a cabeça no vidro. Do lado de fora tudo estava prateado, as ruas vazias, como um deserto. Na frente de sua casa, ficava a casa de seu amigo da escola, um dos primeiros que ele fizera. Sempre que podiam, jogavam video game em sua casa, ficavam ali por horas, até pegaram no sono e dormirem no chão.


A porta da casa, então, começou a se abrir e de dentro dela saiu um homem que parecia ser muito alto e forte, segurando em uma das mãos seu amiguinho. Parecia que ele ainda dormia, pois seu corpo pendia pela lateral do homem.


Ele seguiu até o meio da rua e atirou o menino no chão com toda sua força


Um grito, um grito em vão, que não parou o homem que admirava o corpo do menino caído no chão, em cima de uma poça de sangue. Com um dos pés, virou o menino para frente, revelando seu rosto coberto de sangue, com os ossos e carne achatados. O homem o recolheu com as mãos, levando-o até a boca. Outro grito e logo a figura da mãe estava à sua frente, e ele, em choque, esperava a resposta da boca de sua mãe, que ainda ficava em silencio. Aos poucos, uma coragem adulta tomou conta do pequeno corpo do menino e ele saiu da cama, indo até a mãe de joelhos no chão, chorando agora de soluçar.


- Mamãe. eu vi o...


- Eu sei, filho... - Ela chorava muito. Sei o que viu.


- Por que o moço fez isso com ele? - Ele começou a chorar de novo.


A mãe abraçou o filho forte contra seu peito, molhando seus cabelos com lagrimas quentes que corriam de seu rosto. Ela então virou o rosto do filho, olhando fundo em seus olhos inchados e vermelhos


- Filho, seu amiguinho se comportou mau e o moço teve que...- Ela não conseguia terminar a frase, seus lábios travavam.


A cada palavra, o menino parecia ficar mais apavorado.


- Mas, mamãe, por que o moço tinha que matar ele?


- Filho...

A conversa foi interrompida por uma batida na porta, seguida de um estrondo da porta sendo quebrada ao meio, revelando o homem que o pequeno havia visto

— Não! Deixe meu filho por favor! Ele não vai dizer nada!

O homem seguia até a mãe e deu um soco no rosto da mãe a desfalecendo. O menino tentou correr, mas o homem lhe agarrou pelo braço, puxando-o violentamente, deslocando o ombro do menino, que tentou gritar, sendo interrompido pelo pé do homem que bateu com força em seu pescoço o quebrando. O homem parou na frente do corpo do garoto e ficou um tempo contemplando, até arrancar com uma das mãos a cabeça do menino, mordendo um dos olhos, tirando aquele pedaço num movimento rápido.


*****


O dia novamente raiou e a mãe acordou de seu desmaiou, vendo no quarto três homens que limpavam os pisos e paredes com baldes de água. Ela se levantou e começou a gritar e a bater nos moveis

— Acalme-se senhora! Gritou um dos homens a segurando

— Porque meu filho!?

— Porque alguém tem que ser e dessa vez foi o seu! Gritou outro dos homens

— Ele já tinha pego o da frente

— Não sei porque ele quis dois dessa vez, mas lembre-se que não foi só a senhora que perdeu um filho hoje

— Maldição! Seus malditos!

Ela tentava se soltar do homem que a segurava. Outro então se aproximou e segurou ela por outro braço.

— Senhora sabe que não é culpa nossa

Ela logo perdeu suas forças e começou a chorar. Os homens a soltaram, enquanto ela ia cambaleando até a parede

— Eu não poderei ter outros filhos... Disse ela escorregando, caindo no chão

— Eu sei que é difícil, também perdi um filho

— É mais por favor seja forte. Disse um outro se aproximando dela. Deus será justo com a senhora

Por um momento ela ficou em silencio. Lembrou-se de tudo que sua mãe lhe dizia. Sabia que um dia aquilo poderia acontecer, sabia que a maldição um dia lhe bateria a porta.

Na casa da frente outra mãe agora gritava ao acordar e ver aqueles homens em sua casa de chapéus entre as mãos. Nas ruas outros limpavam os rastros de sangue e restos de carne ali deixados, enquanto os moradores tentavam seguir suas vidas e protegendo suas crianças daquela visão horrenda, mesmo sabendo que um dia eles teria que saber a verdade

Mesmo que acostumados, as manhãs pós primeira lua sempre eram apavorantes, todos acordavam desesperados, correndo até seus filhos, abraçando-os forte ao ver que eles ainda estava ali deitados. Poucos eram os que ainda tinham fé, mas ainda haviam muitos que acreditavam que essa maldição um dia iria embora, algo que ficava cada vez mais raro com o passar das gerações. Mesmo assim hoje a igreja estaria lotada, todos rezando pela sorte de ainda terem seus pequenos filho vivos ao seu lado.



FIM

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