O HOMEM QUE SUMIU

O HOMEM QUE SUMIU

Autor: LUCIANO BARRETO.

245"

Era por volta de duas e vinte da madrugada. Jean estava sem sono. Virava-se de um lado para o outro em seu colchão d’água que ficava sempre no chão da sala sobre um forro de borracha. Lá também havia uma televisão. Ele gostava de adormecer com o aparelho ligado. Às vezes tinha de tomar um tranqüilizante para chamar o sono, mas sempre com a TV ligada.

Era julho, época de inverno no hemisfério sul. Jean vestia calças de moletom, meias e uma camisa careca, nas cores cinza, verde e azul-marinho. As poltronas da sala estavam alinhadas de modo que convergiam formando um “L” onde colchão ficava encaixado, por assim dizer.

Ali, meia hora após se automedicar, Jean jazia temporariamente, enrolado em uma coberta de cor amarela e com franjas brancas nas pontas. O cômodo possuía apenas, de ligação com a parte externa da casa, duas capelinhas. A da direita se fechava para a esquerda e vice-versa. Uma pequena mesa de vidro com alguns enfeites de cristal, um móvel que suportava a televisão, um velho aparelho de som e alguns CD’s, uma grande moldura de uma santa e uma prateleira completavam o ambiente.

Jean deleitava tranqüilamente seu sono químico quando foi acordado por um som estranho. Um ruído seco, característico de alguém revirando as telhas da casa. A primeira reação foi abrir os olhos assustados e, ouvindo aquela melodia medonha, sentar-se. Era bastante pavoroso, afinal, ele morava sozinho. Tentou contatar a polícia pelo telefone, mas não conseguiu; não havia sinal no telefone. Alguém cortara a linha. Os estranhos sons cessaram abruptamente. Agora, Jean escutava apenas passos sobre sua cabeça. “Com certeza tem um puto de um ladrão em cima da minha casa” – falava para si mesmo e bem baixinho. “E me parece que quer ser pego, pois faz um alvoroço tremendo para arrombar uma casa”.

Procurou o controle remoto da TV. Em vão. Foi então até ela e a desligou sorrateiramente. Abaixou-se mais um pouco, tateou o móvel por alguns segundos e abriu uma pequena gaveta bem devagar, retirando de lá um revólver preto. Passou a arma para a mão esquerda, e de novo pôs a mão direita no fundo da gaveta olhando para cima, porque os olhos, na escuridão onde se encontrava, de nada serviam. Capturou algumas balas e, com sua habilidade de ex-policial, municiou a arma.

Caminhou bem devagar até a outra sala e cautelosamente abriu a porta do lado de sua casa. Nisto, os passos também cessaram. Agora só era possível ouvir o relógio trabalhando na parede do cômodo onde estava. Seus dedos estavam gelados, a arma estava gelada e ele estava tenso, muito tenso. Não titubeou. Saiu de dentro da casa e foi para o quintal. Lá fora uma paisagem se fez diante dos assustados olhos de Jean. Era lua cheia e o céu estava limpo, sem nenhum sinal de nuvens. O brilho lunar o encorajou, pois agora enxergava um pouco melhor.

O portão da casa era de gradil, de modo que os transeuntes que passassem por ali naquele momento o veriam e vice-versa. Notou uma pessoa no meio da rua, parada de costas para o portão. Empunhou o revólver a fim de acertar o suposto ladrão. Cerrou os olhos para conseguir uma mira melhor e jogou o cão para trás. Com os braços semi-esticados segurava a arma. Quando prendeu a respiração para puxar o gatilho, percebeu o homem virar-se lentamente, meio que trôpego e começar a rir. Fitou aquele homem e percebeu que era Ignácio, o bêbado da rua, que um dia fora, até, seu credor. Estava voltando da noitada de cara cheia. Assim, abaixou a arma com cuidado. Suspirou e sussurrou para si mesmo: “Filho da mãe! Quase leva um tiro à toa”. Não quis se fazer presente para o pobre Ignácio, pois isso acarretaria uma longa conversa chata regada a um hálito horrendo de bebida. Por nada o pobre bêbado caiu no chão. Rapidamente e sem fazer barulho algum, Jean se aproximou e viu o homem falando sozinho e rindo olhando para o satélite natural da terra que os iluminava. Após constatar sua a integridade física, Jean recuou a passos comedidos sem, de novo, se fazer perceber.

Tinha até se esquecido dos sons que escutara de seu leito. Fitou o que pôde sobre a casa com a pouca luz que havia e nada encontrou senão muitas telhas coloniais fora do lugar. Seu telhado era igual ao de um telhado de um chalé, com armações de madeira cobertas por telhas. Muitas destas estavam deslocadas e algumas faltavam. Praguejou um pouco em função das peças que sumiram, pois eram raras e de difícil reposição. Já estava se recolhendo quando ouviu um grunhido esquisito. Girou nos calcanhares e olhou ao seu redor rapidamente apontando a arma. Não encontrou nada. Outra vez o medo lhe subiu a espinha. O revólver já sambava em sua mão. Afastou-se um pouco a fim de ver melhor de onde vinha aquele som. Encostou-se no muro que cercava o seu quintal e viu dois pontos cinzas brilhando no escuro do seu telhado. Fez mira, bastante trêmulo. A lua só iluminava o começo do vão que havia ficado devido à retirada das telhas. Só conseguiu dizer uma frase, com uma voz de horror: “Eu estou com uma arma!”.

Foi quando uma criatura colocou a cabeça para fora da escuridão e lua, com seu brilho branco, apresentou-lhe uma criatura com os olhos de aproximadamente uns dois centímetros de circunferência, queixo e nariz bastante avantajados, e alguns fiapos de cabelo; no máximo uns quatro. O diâmetro total da cabeça era de um metro e alguma coisa. Suas orelhas eram pontiagudas e mediam uns quarenta centímetros. A boca não era dotada de lábios; era apenas um grande vão naquele rosto todo cheio de cortes e veias os quais cruzavam toda a face. Jean, horrorizado, deixou a arma cair ao chão, que disparou. O som do tiro que acertara a parede foi captado por Ignácio, que se levantou e ficou paralisado olhando a cena, já bastante horrorizado também. A criatura pôs lentamente uma perna para fora do telhado, colocando-a direto no chão sem mover a cabeça que ficava parada na direção do estático Jean, fitando-o horrorosamente. Em seguida pôs a outra perna do mesmo modo e direto no chão. Suas pernas eram flexionadas para os lados e não para a frente como um ser humano.

O ser agora precipitava seu corpo para o local correto, acima de suas pernas. Seu dorso era gigantesco; muito cabeludo e forte. Já era possível medir a altura da fera. Uns três metros e meio. Toda de cor amarronzada. Horripilante é o melhor adjetivo que se pode dar. Seu braço era tão forte quanto o dorso. Entretanto, era desproporcional ao corpo e à altura. O braço direito media quase dois metros e tocava o chão com a parte externa de uma enorme mão com cinco dedos. Não havia braço esquerdo!

A coisa tentou estabelecer um tipo de conversa com Jean, mas ele, petrificado de medo, não se movia, apenas ouvia estranhos estalos e arrotos. Após um breve discurso na língua do monstro, o silêncio imperou... Então, seus ouvidos captaram algo. Pareciam seres humanos que estavam com mordaça na boca e não conseguiam falar, apenas emitir grunhidos surdos. Jean estava mesmo apavorado e pensou ter ouvido coisas. Foi quando, atrás da criatura, abriu-se um compartimento que ficou esticado para cima e que fazia parte de seu corpo. A criatura pegou-o pelo tronco, o posicionou perto de seu grande rosto e cuspiu em sua boca e em seu corpo um tipo de substância viscosa que o prendia e amordaçava, impedindo-o de falar. Depois o conduziu, com o braço direito, até o compartimento em questão e o colocou lá, afixado pela mesma substância grudenta. Lá, Jean percebeu que não estava só. Viu outras pessoas, umas cinco no total. Então entendeu os sons que escutara há pouco. Tentou se soltar, mas foi em vão. O compartimento orgânico do monstro se fechou rapidamente, fazendo-o desaparecer no grande corpo daquele ser. Alguns segundos depois, a criatura ejetou um enorme par de asas e voou em direção ao céu iluminado pela lua.

Ignácio olhava aquilo tudo com grande atenção e medo. Medo que lhe fez urinar nas calças e ter um ataque epilético. Ele nunca tivera doença de tal monta, mas o horror daquelas imagens desencadeou o problema.

Depois desta noite, Jean nunca mais foi visto em sua cidade. Seus parentes e depois a polícia entraram em sua casa e viram o seu remédio para dormir, sua TV, ainda ligada, e sua arma, que ficara no quintal, mas não o encontraram.

Toda vez que o ex-credor, Ignácio, era inquirido sobre o paradeiro de Jean pelos parentes do sumido ou pelos policiais, ele dava crises de epilepsia e urinava-se todo. Como nunca fora epilético, os médicos relatam não saberem diagnosticar qual o problema que desencadeou essa doença, tendo em vista que ele não consegue falar o que ocorreu naquela noite. Alguns dizem que pode ter sido a bebida, mas o pobre homem sabe muito bem que não foi!

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