OS HABITANTES

OS HABITANTES

Autor: Erik Jefferson









A viagem já está quase na metade, o velho ao lado dorme quase encostado em mim, estas poltronas da classe econômica não são muito confortáveis; prefiro concentrar-me na leitura, os velhos livros da estante do meu tio Thomas sempre me foram muito úteis. Alguns de seus livros sempre me acompanham:


“Nós que pertencemos a quinta grande raça devíamos estar, atendendo ao nosso estado de civilização, absolutamente livres de um tão terrível destino, e realmente assim o é, tanto que essas entidades são hoje consideradas apenas como fábulas da Idade Média. Contudo há exemplos do seu aparecimento, principalmente em povos onde há ainda uma forte corrente de sangue da quarta raça, como na Rússia e na Hungria. As lendas populares são evidentemente exageradas mas, no fundo, há qualquer coisa de verdade, de impressionante realismo, nas estranhas histórias que ainda hoje correm de boca em boca entre os camponeses da Europa Central.”


O livro “O PLANO ASTRAL” de C.W.Leadbeater teve grande contribuição para que eu me sentisse atraído pelos habitantes da área rural da Hungria, se algum colega da universidade me vir lendo isto dirá: “Literatura Sensacionalista”, mas eu nunca fui ortodoxo. Ter a mente aberta para mim é diversão.


O letreiro da pensão aparece em meio à fina chuva que cai neste fim de tarde de outono, os dias acabam cedo nesta época. A mulher que vem me receber aparenta 25 anos, usa um longo casaco e não sorri, mas é bela:


- Pode entrar, já estava à sua espera, Sr. Erich.



- Gostaria que me mostrasse meu quarto, estou exausto.


A mulher faz um gesto para que a siga, abre a porta do quarto:


- A propósito, meu nome é Veluma, e serviremos o jantar daqui à uma hora.


- Obrigado, Sra. Veluma.


Veluma coloca uma esfumaçante sopa em meu prato, é estranho, mas só temos nós dois para o jantar:


- Podermos parar com a formalidade e nos tratar por Veluma e Erich?


- Sim, Erich, a que devemos sua visita a esta cidade?



- Faço doutorado em Antropologia do Mito e vim entrevistar alguns habitantes desse lugar.


- Posso saber qual é o mito que mais lhe chama atenção?


- O mito dos vampiros.


- Sua Universidade fica no Reino Unido?


- Sim, Universidade de Cambridge, mas nasci em Londres.


Após o jantar preferi me recolher, preciso acordar cedo. A cama está quente e o sono chega rápido. A imagem de uma coruja sobrevoando invade minha mente. Abro os olhos e observo um velho relógio na parede que marca uma da manhã, esta mulher me deixou impressionado, preciso dormir. Eu ouvia choro de crianças, abro os olhos e passo a mão pela fronte que está suada apesar do frio; o relógio marca três da manhã.


Pela manhã o café já estava na mesa posta. Veluma deve o ter preparado e voltado para o seu quarto.


A zona rural fica a menos de 1km, no meio do caminho um grupo de mulheres surge cantando, estão acompanhando um funeral, os homens seguem atrás, que estranho, eu me aproximo de um dos homens:


-Com licença, por que esse canto das mulheres?


-Serve para para ajudar a alma do falecido encontrar o caminho e não se tornar um vampiro.



Continuo a minha caminhada e, finalmente, avisto a aldeia, casas simples, em frente a uma dessas casas uma senhora está sentada em uma cadeira de balanço. Aproximo-me:


- Bom dia, senhora.


- Bom dia , jovem.


- Meu nome é Erich O’nil e estou fazendo uma pesquisa nesta região.


- Meu nome é Valentina Odrioni, em que posso ajudar?


Erich pega sua prancheta e começa a fazer anotações:


- A senhora conhece alguma história sobre vampiros ocorrida por essas bandas?


- Sim, nos dias santos os vampiros e espíritos sombrios se reúnem para planejar ataques, a minha família já sofreu um.


- Conte-me como foi este ataque.


-Eu estava com uns 10 anos, já passava da meia-noite e minha família estava reunida perto da lareira ouvindo histórias de meu avô. Bateram na porta e meu pai não nos deixou abrir, àquela hora só podia ser um vampiro.- De repente ela para de falar.



A entrevista com a Sra. Valentina continuou, ela narrou várias histórias, também conversei com vários outros camponeses, eles dizem que os vampiros se alimentam do sangue dos seus familiares, dos animais e, quando possível, dos vizinhos. Outra história da Sra. Valentina: Eu estava com 17 anos e avistei um círculo de grama queimado, me aproximei e, dentro do círculo, estavam três lindas mulheres que cantavam e dançavam, depois lançaram feitiços sobre os vizinhos. Até hoje muitos ouvem as vozes destas mulheres, os galos e galinhas começam a cacarejar diferente, e dizemos para as crianças: Elas estão passando, fiquem quietinhos, se vocês falarem suas bocas vão ficar tortas.


Apesar de muitas destas histórias parecerem coisas inventadas pelos mais velhos para assustar crianças; pude observar várias tranças de alho pendurada na porta das casas. Até então nada de anormal, não fosse o fato de estarem para o lado de fora. Nestas aldeias isoladas muitas pessoas encaram certos mitos como entidades reais.



Um camponês me apresentou um bibliotecário aposentado Sr. Raymond Backer, que, prontamente me mostrou um arquivo de documentos com relatos de casos de vampirismo que recolheu quando trabalhava em outra cidade. Dentro da pasta vários papéis amarelados; leio com muita atenção:


“Romênia, Crassova – 1889: Trinta cadáveres foram trespassados por estacas no seguimento de manifestações vampíricas”.


“Jugoslávia, Kneginecc - 1936: Diversos casos de vampirismo, atribuídos ao cadáver de uma mulher nova, enterrada no século XVIII no castelo de Herdody, em Varazdin”.


Lendas, superstições, alucinações ou verdadeiras manifestações vindas de além túmulo? O dia foi bastante corrido. Sr. Raymond foi o único entrevistado que anotei o endereço.


Tomo novamente a esfumaçante sopa na companhia de Veluma, que me convida:


- Gostaria que me acompanhasse em um chá que sirvo às vinte e três horas.



Os penetrantes e persuasivos olhos de Veluma me convenceram a acompanhá-la neste chá, me sinto cada vez mais atraído por sua peculiar beleza.

Veluma enche minha xícara com um chá de aroma cítrico, esvazio a xícara e me despeço, estou sem forças.


Deitado na cama com as cobertas até o pescoço sinto um sono estranho, como uma embriaguez. Fecho os olhos.


Meu corpo parece estar flutuando sobre a cama, sinto uma mão gelada segurar meu pulso, olho, é Veluma:


-Venha, vou te mostrar coisas jamais vistas por alguém como você.


- Ela me puxa e logo estou em um estábulo na aldeia:


- Veja o objeto de suas pesquisas.


-Olho para o interior e vejo vários vultos atacando um pobre animal que não pára de gritar, pois o sangue está jorrando, uma das criaturas olha para mim, tem os olhos vermelhos como rubi, sorri, Veluma segura minha mão:


-Venha, vou lhe mostrar outras coisas.


- Eu a sigo e como num passe de mágica nos encontramos em um quarto aonde uma mulher se insinua para um homem que lhe oferece uma certa soma de dinheiro, ela tira a roupa e o acaricia, os dois caem na cama, olho para Veluma, que compreende minha estranheza:


- Olhe novamente.


-Olhei novamente e uma luz de cor avermelhada envolvia o casal, o que aconteceu depois foi algo indescritível. As mesmas criaturas em volta, desta vez como que se alimentando daquela atmosfera que se formava naquele ambiente, mais uma vez uma das criaturas me fitou e sorriu, pude perceber seus enormes caninos afiados.


Veluma olhou para mim e disse:


- Estes são vampiros do nível mais baixo, agora vou lhe mostrar uma outra classe dessas criaturas. - Me puxou pela mão e, como em um passe de mágica, estávamos na sala de um casarão do século passado.



Várias pessoas vestidas elegantemente de negro, música clássica... Enfim, tratava-se de uma festa, o lugar era rodeado de românticos jardins, todavia, cada flor parecia exalar um estranho hálito de morte. Um senhor elegante entrou acompanhando três moças que pareciam estar adormecidas, sonâmbulas; no meio do salão, depois de despi-las as pessoas avançaram sobre as moças, cinco ou seis para cada uma, o sangue jorrava, além de sugarem o sangue, aqueles malditos vampiros copulavam com as jovens que pareciam nada sentir.

Veluma me tirou daquele lugar tenebroso estávamos agora em um terreno descampado:


-Eu também sou um deles.- E exibiu seus caninos afiados - Mas não tema, não sou como eles. Por mais tenebrosa que seja uma criatura ela possui uma antítese de luz, aquelas criaturas, por mais perversas que possam parecer vivem se lamentando dos crimes que cometem. Quando eu parei de me lamentar e apenas reconheci minha condição eu consegui elevar-me um pouco. Talvez um dia eu possa ver a luz do sol novamente. Não vamos mais nos ver, mas eu quero que fique com uma lembrança deste momento.



Veluma coloca a mão no decote do vestido; meus olhos se fixam em seus voluptuosos seios, ela pega um papel e coloca no bolso do meu paletó. Depois, segura meu pulso e, sem que eu possa me defender, crava seus dentes - sinto uma dor que jamais experimentei.


Abro os olhos e o ponteiro do velho relógio marca seis horas da manhã, tudo não passou de um terrível sonho, sinto-me cansado. Levanto-me e chamo por Veluma, nenhuma resposta, essa pensão parece um lugar abandonado, como não pude perceber? Saio, o dia está cinzento e frio. Coloco a mão no bolso do paletó, um papel, não pode ser, nele está escrito:


No jardim dos Deuses existe uma macieira na qual somente os nobres de coração podem comer de seu fruto; os perversos até se aproximam dela, mas enlouquecidos não a compreendem.

Veluma Tepes

O papel está levemente sujo de sangue.




FIM

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