O VIZINHO

O VIZINHO

Autora: Rvânia



O VIZINHO


Contam que por volta de 1969, num antigo casarão da Rua Padre Lemos, bairro de Casa Amarela em Recife, onde hoje funciona uma loja de artigos para festas, morava um coronel reformado do exército, sua esposa e suas duas filhas. O velho era muito turrão, tratava muito mal a família e os vizinhos. Intolerante, ameaçava atirar nas crianças que brincavam na rua, por qualquer bobagem, qualquer barulhinho que os mesmos fizessem. Os pais da vizinhança o temiam e trancavam os filhos em casa para evitar problemas com ele.


Apesar do medo que sentia do pai, a filha mais nova, chamada Cris, era ousada o bastante para fazer às escondidas tudo o que ele não permitia, inclusive fugir para namorar. A mãe e a irmã morriam de medo que o velho descobrisse as artimanhas dela, pois sabiam que o castigo seria extremamente severo. Cris, no entanto, estava completamente apaixonada por um rapaz, filho de uma das vizinhas, Beto. Um rapaz pobre e negro... um amor totalmente impossível.


Cris esperava o pai dormir e fugia pela janela para encontrar seu amado, todas as noites. A mãe do rapaz implorava a ele que deixasse a moça, pois temia por sua vida. Sabia que o coronel o mataria se soubesse o que se passava, mas o amor dos dois era mais forte que o medo e completamente inconseqüente. Alguns meses se passaram sem que o velho se desse conta do que estava acontecendo com a filha mais nova, até aquela noite fatídica...


Era uma madrugada de sexta-feira, e Cris já havia fugido para encontrar-se com Beto na mesma ruazinha de sempre. O velho acordou e não se sabe por que, fez uma coisa que nunca havia feito antes: foi ao quarto das filhas. Ao ver a cama de Cris vazia, percorreu a casa aos berros, acordando todo mundo, à procura da filha. A esposa e a outra filha tremiam de pavor quando ele as chamou e perguntou por Cris, não conseguiram emitir um som sequer, e ele, com ódio, passou a agredi-las. Após machucá-las bastante, o velho pegou a arma e saiu pela rua, procurando nos becos, nas praças, até localizá-los abraçados e tão absortos em seu amor que nem o viram.


Quando ele gritou o nome da filha, ela ficou paralisada de medo. Após alguns minutos, ela recobrou a sensatez e mandou Beto correr. Ele disse que não iria deixá-la só, mas ela pediu por tudo pra que ele fosse embora ou morreria ali mesmo. Em meio à indecisão, Beto resolveu atender ao apelo dela, pois viu que estava desesperada, e saiu correndo. O velho deu vários tiros na direção dele, mas não conseguiu acertá-lo. Ele pegou então a filha pelos longos cabelos e saiu a arrastá-la em direção a casa.


A essa altura, os vizinhos já estavam acordados e assustados com o que estava acontecendo, no entanto, nenhum deles atreveu-se a sair de casa, ficando a espreitar pelas brechas das portas e janelas, vendo quando o velho passou arrastando a filha. Depois ficaram ouvindo os gritos desesperados que vinham da casa, gritos que denunciavam muita dor e sofrimento e que duraram por horas e horas, até silenciarem de repente.


Passaram-se dois dias sem que nenhuma das mulheres fossem vistas, apenas o velho saía algumas vezes de casa e voltava trazendo alguns pacotes. Ninguém se atrevia a perguntar nada e nem mesmo a enfrentar o olhar de ódio dele. Beto, ninguém havia visto desde a noite fatídica, a mãe achava que ele estava escondido em algum lugar e ficava aliviada por ele não ter voltado, com medo da fúria do velho. No final do segundo dia, um caminhão parou na porta do casarão e os vizinhos viram os móveis sendo carregados para dentro dele e, aliviados, perceberam que a família estava se mudando, o que os fez vibrar, pois livrar-se daquele ser indesejado era um verdadeiro presente dos céus. Quase fizeram uma festa ao ver o caminhão virar a esquina. Estavam tão aliviados que nem perceberam que só o velho, a mãe e uma das filhas entraram no caminhão.


Ao saber da mudança, Beto, que se encontrava escondido em casa de um amigo, apareceu desesperado por notícias de sua Cris. No entanto, os vizinhos nada sabiam sobre o paradeiro da família. Muito triste, o rapaz passava os dias à espera de notícias de sua amada, certo de que ela daria um jeito de avisá-lo onde estava, pois o amor deles era imenso e muito sincero, ela não se conformaria em ficar longe dele.


Só que, para desespero de Beto, o tempo corria e nada de notícias dela. A tristeza e a saudade foi se transformando em dúvida: “será que ela realmente o amava? Será que fora apenas uma diversão para Cris?” - Sua mãe, os amigos, os vizinhos, todos lhe davam conselhos para esquecer. Diziam que a menina havia resolvido ouvir os conselhos do pai e o esquecera. Que ela não era mulher para ele, que eram de mundos diferentes demais.


Quase dois anos se passaram e o tempo, que a tudo cura, transformou o amor de Beto em lembranças. A mágoa endureceu seu coração e o fez evitar pensar em Cris. E também tinha Ana, a moreninha linda que havia se mudado há pouco tempo para a casa onde morou seu ex-amor.


Ana já havia demonstrado o quanto estava interessada em Beto e fazia de tudo para chamar-lhe a atenção. Havia se tornado muito amiga de sua irmã e não perdia uma oportunidade de estar perto dele.


Começaram então a namorar, e ao contrário do coronel, a família de Ana aceitou bem o romance e o rapaz começou a frequentar a casa. No inicio, ficava só no portão, mas um dia foi convidado a entrar. Beto sentiu um arrepio e um mal-estar estranho ao entrar na casa, sentia-se sufocar e imaginou que eram saudade e as lembranças de seu amor por Cris. O mal estar o acompanhou todas as vezes que ia lá, fazendo com que ele preferisse ficar no portão a entrar na sala. Ana muitas vezes reclamava de ter que namorar no portão e ele não sabia como explicar o que sentia lá dentro da casa.


O tempo passou e Beto resolveu casar-se com Ana. Os pais dele resolveram então reformar um dos quartos para que o casal vivesse lá, já que Ana era filha única. Beto não tinha escolha, apesar de não saber como iria viver numa casa que lhe fazia tanto mal. Quando a reforma começou, Beto estava lá com o sogro e os pedreiros. Ele suava frio, sentia-se sufocado, mal conseguia ficar de pé, mas fazia de tudo para que ninguém percebesse o mal-estar que não tinha como explicar. Quando a primeira parede foi derrubada, sentiu-se um cheiro horrível de podridão. Os pedreiros diziam ser algum rato morto por entre as paredes, mas, ao derrubar o restante, Beto foi o primeiro a ver a cena chocante: havia um corpo em pé entre as duas paredes. Um corpo em decomposição, mas que foi imediatamente reconhecido por Beto. Ele jamais havia esquecido aqueles longos cabelos e a roupa com que ela estava na última vez que se viram... era sua Cris. Louco de dor, o rapaz agarrou-se ao corpo em decomposição, chorando e gritando seu nome. A muito custo, o sogro e os pedreiros conseguiram tirá-lo de lá e chamaram a polícia.


O laudo comprovou que a menina havia sido emparedada no mesmo dia em que o monstro do pai a encontrou com Beto. Ela morreu asfixiada e de uma forma horrenda. Beto enlouqueceu e foi internado no hospital Psiquiátrico da Tamarineira. O velho e a família nunca foram encontrados, para pagar por seu crime.


FIM

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