O OLHO DO INSANO

O OLHO DO INSANO

Autor: Linx

300"


            “Tu me enganaste por quinze vezes (...) Lanço a ti a pior de minhas maldições; Que a partir de hoje seus olhos apenas vejam dor e sofrimento, que os demônios e almas do inferno o atormentem até sua derradeira morte (...) E mesmo depois que sua alma abandone sua carne, nela ainda restarão os resquícios de seu carma e ao olhar do primeiro infeliz sobre tua carcaça morta, a ele corresponderá carregar consigo essa maldição e a ele restara o mesmo fim derradeiro de ti, passando assim a maldição a outro medíocre ser que ao seu corpo dirigir o olhar (...) Que isso perdure não apenas as quinze vezes que tu me traíste, mas quinze vezes quinze”

            A Maldição de Juan César Martinez

Pelo corredor branco, iluminado por aquelas sinistras luzes frias, M. carregava aquele corpo até as geladeiras do necrotério. O dia estava muito longo para seu gosto e ele torcia, a cada passada por um relógio, que seu turno acabasse.

Nem mesmo nos dias mais parados parecia que o tempo passava tão lentamente, parecia até que ele estava de plantão há dois dias seguidos (e a ultima passada pelo relógio só lhe revelou que ainda faltavam três horas para o fim de seu plantão).

- Cara, você parece acabado! - Exclamou, sorrindo, seu companheiro na porta

- E estou. - Disse ele sem muita empolgação

- Bem, mas o que temos aqui?- Disse ele, abrindo a papeleta aos pés do corpo.

- Não faço a menor idéia e no fundo nem estou a fim de saber nada hoje.

- Cara, você está acabado mesmo.

- Bem, assine ai que eu preciso voltar

- Espere. - Disse ele, indo pegar uma caneta. - Pronto, aqui está

- Obrigado

- Por nada, meu velho. E vê se descansa

- E vou. Amanhã é meu dia de folga, acho que por isso o tempo está tão arrastado hoje.

-Pois é. Até, amigo

-Até.

M. deu um aceno e caminhou até o fim do corredor como se tivesse caminhando ao corredor da morte, enquanto H., seu amigo, ainda olhava a papeleta.

- Senhor K.L.M., cinqüenta e cinco anos, casado, dois filhos... - Ele passava os olhos rápidos...- Hum... veio de Portugal, tinha muito dinheiro e posses e se dizia feliz no casamento. É, meu velho, para você vê aonde todos vamos parar. Disse ele rindo ao morto. Causa mortis: Suicídio! Caramba! Com esse vidão! Meu aonde esse mundo vai parar? Desculpe amigão, mas tu é muito otário. - Disse ele cobrindo o morto e colocando a papeleta de lado.

H. caminhou até a gaveta correspondente e a abriu, indo até o corpo novamente.

- Amigão, agora tu me deixou curioso. Como alguém, com a vida boa que tu levava, se mata? - Ele olhava o lençol. - Será que sua papeleta não conta mais? Peraí, deixe-me vê-la.

H. folheou a papeleta toda até parar num pagina que contava um pouco do relato de mulher. O relato dizia que sua mulher percebeu que nos últimos dois dias ele vinha tendo estranhas alucinações; ele falava que via pessoas mortas, ouvia gritos o tempo inteiro. Até que um dia, ela chegou em casa e o encontrou no banheiro segurando, um barbeador quase cego e com os pulsos retalhados.

- Caralho! Agora você me deu medo. Cortar os pulsos com um barbeador?

H. olhou o lençol novamente, agora com um olhar de espanto. Meio receoso descobriu novamente o corpo e viu as marcas no pulsos; várias, de diversas profundidades, feitas como que por alguém desesperado para morrer. H. então olhou nos olhos do morto. Algo então o atraiu neles, algo inexplicável, algo inebriante, hipnótico. Seus olhos foram chegando mais perto dos do cadáver, até ele se debruçar sobre ele e ficar a um palmo do rosto do morto.

- EDUJAEMORROCOS! Um grito alto e estridente, acompanhado de um flash, fez H. cair no chão

- Droga! - Gritou ele no chão, segurando o peito com uma das mãos. - Seu maldito, o que foi isso? Disse ele, rindo de si mesmo. Caramba... Essa foi boa!

H. soltou uma gargalhada. Sentiu-se um idiota por se deixar envolver desse jeito com a história daquele homem.

-Bem, amigão, vamos para sua gaveta. - Disse ele, empurrando o corpo até a gaveta aberta.

A gaveta fechou macia, enquanto H. encostava de leve nela e ria mais um pouco de si. Seus olhos então correram a sala, parando no relógio, o que fez seu sorriso aumentar: acabara seu plantão.

H. pegou suas coisas em seu armário e correu pelos corredores como uma criança quando toca o sinal estridente do recreio. Na saída, olhou as gotas de água que respingavam forte no chão. Suas mãos correram sua bolsa preta surrada, mas nem sinal de seu guarda-chuva.

-Que merda!- Gritou ele ao vento.

(...odaçargsedarrom...)

(AQUI)

H. se virou bruscamente. O dia realmente deve tê-lo abalado. E, para coroar, ainda aquele homem, pensou H., com a mão na cabeça. Agora mesmo que ele sentiu que precisava de sua cama urgentemente. Seus olhos espiavam atentos o movimento e ao perceber a brecha perfeita correu até o ponto de ônibus do outro lado da rua. Bem, agora era esperar o ônibus (coisa que o deixava extremamente estressado, pois seu ônibus demorava quase duas horas para passar).

Sentou-se nas cadeiras cobertas recém-pintadas de um roxo gritante, que até cansava os olhos de olhar, e ficou olhando a esquina, esperando seu ônibus imbicar. Ao seu lado, uma menina lia um livro atentamente e pelo que via ela estava ali sozinha, pois não via sinal de ninguém ao seu lado.

-Menininha, cadê sua mamãe? - Disse ele baixinho.

A menina nem sequer fez sinal de ter ouvido. H. se aproximou e encostou no seu ombro.

-Hein, onde está sua...

-ODAÇARGSEDARROM!

O grito foi extremamente alto, deixando H. atordoado por alguns segundos. Logo seus sentidos voltaram e seus olhos não mais viram a menina ao seu lado. Aquilo começou a deixar H. preocupado.

-Droga, que dia maldito! Exclamou a si mesmo

-O que?

Era o motorista do ônibus parado à sua frente. H. deu um leve sorriso e se desculpou com o homem, contando um pouco do seu dia. O homem sorriu e disse que acontece.

H. se sentou no fundo do ônibus ao lado de uma senhora que tricotava um cachecol. Ele pensou em puxar assunto, mas o dia estava tão estranho que ele preferiu ficar quieto e olhar para a janela.

(...amixorpaesetroma...)

-Droga! O que foi? -Exclamou assustada a senhora

-Nossa, desculpe. - Disse H., vendo o rosto assustado da velhinha.

-Meu filho você está bem?

Estou, bem não. Acho que é esse dia.

ODAÇARGSEDARROM!

H. caiu no chão. O grito fora menos atordoante que o da menina mas ainda assim sua cabeça latejou.

-Que merda é essa?! Gritou H., ainda olhando o chão.

H. se levantou correndo, apertando o botão de descida desesperado. A porta então se abriu e ele desceu com um pulo, caindo com o rosto no chão.

-Quer que eu ajude? Disse uma voz calma e serena ao seu lado

- Não, obrigado. Disse H. se levantando rapidamente. Eu só quero...

Novamente seu corpo foi ao chão, ao olhar o que estava ao seu lado. Suas mãos contiveram a ânsia instantânea que veio a sua boca.

-Deixe-me te ajudar. Disse ela, enquanto cambaleava com suas pernas contorcidas e cheia de rasgos fundos, muitos deles expondo lascas de ossos

-O que é isso?!

H. se arrastava pelo chão molhado com os olhos cheios de horror. A confusão tomava conta dele, e um medo incontrolável não o deixava pensar.

- Aonde você vai? - Disse ela, ainda com aquele tom suave.

Ele só conseguiu se levantar e correr como louco pela chuva. Suas pernas tentavam correr cada vez mais rápido, mas a rua parecia não ter fim e, toda vez que ele tentava olhar para o lado, ele apenas conseguia ver a mesma casa amarela, seguida de um terreno baldio longo e uma árvore no meio dele. O desespero tomava conta dele cada vez que ele se deparava com a mesma casa, o mesmo terreno, a mesma árvore. Suas pernas corriam mais e seus olhos corriam na mesma velocidade; CASA, TERRENO, ARVORE!

-Socorro! Ele gritou ao vento desesperado. Alguém me diz o que está acont...

-ODAÇARGSEDARROM! A voz da menina

-Para com isso! Me deixa em...

-ODAÇARGSEDARROM! A voz da velha

-Me deixem em paz, malditos! Gritou ele, caindo de joelhos no chão e soltando seu pranto desesperado

-iuqadaritem!

Aquele grito o fez sair de sua loucura e olhar a casa à sua frente. O grito era de uma voz familiar e não era atordoante, mas sim desesperado.

-iuqadaritem!

Ele sabia que conhecia aquela voz, mas não conseguia ligá-la a um nome.

O grito se repetiu por mais umas vezes, cada vez mais fraco, até virar apenas um gemido e logo depois um silencio longo.

-Quem...- H. engoliu seco... - Quem está ai?- Disse ele em voz baixa.

Nada.

-Quem está ai?

-selesovsoneleutue... H. pode ouvir o gemido incompreensível. Voz familiar...

-Eu te conheço?- Disse ele baixo.- Você tem a ver com essa loucura?

-selesovsoneleutue... selesovsoneleutue... selesovsoneleutue...

Aquilo agora deixava H. irritado. Sua mente pensava em mil possibilidades para aquilo e nenhuma delas fazia o menor sentido. Seu medo virava ódio.

-Alguém então pode me dizer que porra está acontecendo?! - Gritou H., se levantando. É algum tipo de brincadeira idiota?! Porque se for não tem porra de graça nenhuma!

Um barulho estridente baixo começou a vir da casa, ficando cada vez mais alto, até se tornar insuportável a qualquer ouvido

-Droga! Pára com isso!

H. tapava seus ouvidos com força, mas aquilo pareceu penetrar em sua mente. Sua cabeça latejava cada vez mais forte, e mal conseguia manter seus olhos abertos.

-Para! Gritou H. quase esmagando sua cabeça com as mãos.

O barulho então cessou. H. lentamente soltou seus ouvidos e lentamente abriu seus olhos.

-Deixe-me te ajudar...

H. se voltou rapidamente e novamente viu a mulher ensangüentada. Mas dessa vez não somente ela, mas vários assim como ela, cada um coberto com mais machucados e sangue que o outro. Eles o cercavam, centenas deles, todos o olhando com um olhar doce que aos poucos se tornou um olhar de fúria.

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

Todos gritavam alto. H. não conseguia se mexer, até o som se tornar insuportável e ele cobrir os ouvido novamente.

Saiam daqui!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- Saiam! Me deixem em paz!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- ODAÇARGSEDARROM!

- Socorro!

H. procurou uma brecha entre as criaturas, até encontrar um vão que levava até aquela casa amarela. Num acesso louco, ele correu até a casa se trancando dentro. H. soltou um suspiro de alivio, mas ao abrir os olhos novamente viu que ainda estava do lado de fora e os mortos ainda estavam lá.

-ODAÇARGSEDARROM!

-Não!

*****

-O que houve aqui? -Perguntou o velho gordo ao adentrar na casa repleta de policiais.

-Pelo que contaram os moradores da casa, o tal sujeito invadiu a casa gritando por socorro, correndo sem parar por tudo, até parar na cozinha, apanhar uma faca e se golpear várias vezes pelo corpo

-Se golpear?

-Sim, ao que parece ele se matou se esfaqueando.

-Os peritos já viram o corpo?

-Sim, parece até que o motorista do carro do IML conhecia o homem; era um dos técnicos de necropsia do instituto

-Meu Deus!

-É, foi algo impressionante. A família ainda está muito abalada

-Bem... mas, e o corpo?

-Está na cozinha.

O homem apontou à frente, enquanto o delegado se dirigia lentamente até o cômodo. Lá os peritos ainda tiravam fotos do morto. O delegado se aproximou lentamente. O corpo estava estendido no chão ,numa poça de sangue, e coberto por centenas de ferimentos. Em uma de suas mãos a faca ainda repousava.

-Uma faca de serra quase cega... Exclamou um dos peritos

-Meu Deus... Disse o delegado, cobrindo a boca com um lenço.

Seus olhos correram o corpo até parar no rosto. A expressão do morto o impressionou e algo lhe atraiu. O delegado foi chegando perto...

-EDUJAEMORROCOS!




FIM

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