O CHINÊS

O CHINÊS

Autor(a): Jeanine Geraldo



O CHINÊS

Jeanine Geraldo


O vento formava e desmanchava as formas das nuvens no céu azul, produzindo um farfalhar musical nas folhas das árvores. A luz dourada do sol se refletia no pequeno lago.

Deitado na grama, Ling observava calmamente uma abelha que voava de um lado para o outro procurando uma flor de néctar saboroso. O pequeno chinês se entretinha ao seguir a trajetória do inseto ao seu redor.

Flores pendiam abundantemente das árvores perto do lago de superfície espelhada cujas águas eram prateadas como mercúrio.

A grama começava a espetar incomodamente as costas do menino, cobertas apenas por um quimono branco de algodão com um ideograma bordado graciosamente com linha vermelha na parte de trás.

Ling tirou as costas do chão, curvando-se sobre a barriga, flexionou os joelhos e apoiando as mãozinhas no chão, levantou-se. Sobre os tamanquinhos de madeira, começou a andar em volta do lago. Seus olhar brilhante e perspicaz observando atentamente a superfície espelhada e misteriosa da água.

As mãos escondidas nas mangas do quimono contorcendo-se, apertando-se de curiosidade. Queria tocar no lago, desvendar seus segredos. Depois de uma volta inteira, parou na frente do pequeno tanque e fitou-o longamente.

O céu estava mais escuro agora, manchado de vermelho, laranja e rósea numa composição típica do crepúsculo. O zumbido da abelha havia sumido. Ling, sobressaltado por uma idéia, andou rapidamente à árvore mais próxima, de flores roxas que pareciam sinos, pendendo dos galhos cujas folhas eram pequenas e largas, e arrancou-lhe um graveto. Voltou novamente para perto do lago, agachou-se na margem e colocou a ponta do pequeno galho na água, perturbando a calmaria metálica desta.

No entanto, continuou curioso, insatisfeito. Aproximou-se cuidadosamente para não escorregar. O vento soprava com um pouco mais de força e a luz do sol sumia no horizonte no qual só havia uma estreita faixa avermelhada.

Ao deixar o galho de lado, espetou o pequeno e delgado dedo indicador direito em cuja ponta logo apareceu uma gota de sangue vivamente vermelho a qual Ling lambeu, ficando com o gosto férreo na boca por algum tempo.

Com o mesmo dedo, ele remexeu a água do lago, que agora parecia um olho negro, tão negro quanto os cabelos curtos do garoto. Contudo, ao tocar a água, sentiu algo percorrendo seu corpo.

O jardim era agora iluminado apenas pela palidez da lua cheia e pelos pontos luminosos, que no céu negro pareciam fagulhas mágicas dispersas na atmosfera noturna.

Sem conseguir tirar o dedo da água, Ling perdeu os sentidos. Sua consciência foi parar em algum lugar do infinito de sua mente. Seus olhos reviraram nas órbitas e suas pupilas tingiram-se de vermelho. Seu rosto pueril tornou-se disforme, raivoso. Sua boca rosada se contorceu num esgar de ódio.

O jardim estava envolto em sombras.

Como num despertar, Ling retirou o dedo da água de poderes misteriosos e olhou-o. A pele que o envolvia, outrora alva, estava cálida, enegrecida, cheirando a carne em putrefação.

As sobrancelhas levantadas, a boca aberta, os olhos arregalados num sinal de susto e medo, Ling fitava o dedo enquanto em sua cabeça um zunido estático lhe perturbava. O pequeno chinês escondeu as mãos nas mangas do quimono branco, dando as costas ao lago, andando sobre seus tamanquinhos de madeira pelo caminho de pedras que atravessava o jardim, conduzindo até a entrada da casa.

FIM

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