INSECTOFOBIA

INSECTOFOBIA

Autor: Alexandre Cthulhu

Clóvis

Eu não podia voltar a errar.

A fórmula estava correcta, mas eu persistia em falhar nos cálculos. Por isso, tinha de repetir tudo outra vez.

Durante toda a minha vida, dediquei-me ao estudo de componentes químicos para aplicação rural, e sempre persegui a ideia de que seria possível inventar um “adubo milagroso” que fizesse brotar frutos e legumes da terra com uma dimensão fora do comum.

Sim, era isso que eu estava prestes a descobrir. A minha cabeça andava às voltas com a formula para um processo químico, que adicionado aos adubos agrícolas, permitisse um desenvolvimento rápido e vigoroso de sementes hortícolas.

O primeiro passo foi um fracasso, pois adicionei ao adubo uma porção de hormonas de crescimento obtidas através de órgãos de animais geneticamente “alterados”, mas os resultados alcançados foram desastrosos: primeiro, as abóboras nasceram com o tamanho normal, mas as suas pevides eram descomunais e disformes.

A seguir, cultivei as cenouras, que saíram minúsculas, mas de rama gigante; e por fim, as alfaces, que realmente brotaram da terra com a dimensão de um baú; mas foi com azedume que verifiquei que elas apodreceram ao fim de umas escassas horas.

Durante semanas, conferi os cálculos todos de novo, e como, “quem insiste, persiste”, acabei por decifrar o que estava errado. Depois de ter passado alguns meses embutido no meu laboratório a realizar testes e a fazer experiências, conseguira alcançar um novo resultado, obtendo assim, uma nova “versão” da fórmula.

A novidade: Um catalisador radioactivo!

Sim, administrei uma substância de reacção rápida, adicionando-lhe uma percentagem de glândulas endócrinas (1), para manter o conjunto molecular intacto, e garantir o respectivo sobre crescimento. O adubo estava pronto. Agora bastava plantá-lo na horta e aguardar pelos resultados.

Algumas semanas depois, pude ver o sonho da minha vida, tornar-se numa franca realidade: Das profundezas da terra, brotara uma monumental abóbora, que a avaliar pelo seu tamanho, devia pesar uns... 700kgs!

- Eureka!...Consegui! – Bradei eu, pleno de satisfação.

Oh, haviam de ver com que agrado, eu sorvi a sua polpa suculenta. Agora, bastava-me semear as sementes pela terra afora e esperar que o solo e a natureza completassem o seu trabalho. Dispus-me a imaginar sobre a fortuna que faria no mercado da cidade, a vender os meus frutos colossais e suculentos. Até podia participar no concurso anual de frutos gigantes, e concerteza venceria, pois o recorde mundial de uma abóbora é 640kgs!

Da noite pardacenta rompeu a fresca manhã de Março, e foi com um grande ímpeto que me ergui da cama para observar a minha horta, por onde se multiplicavam as aboboreiras, que brotavam os seus carpos...mais altos do que eu!

Embora teimasse em não chover, vi com grande entusiasmo que as cebolas, os nabos e as batatas, se libertavam da terra com uma dimensão, que não consigo, nem por palavras descrever. Era o trabalho de investigação de uma vida, materializado naqueles frutos imponentes.

No dia seguinte, desloquei-me ao centro urbano para tratar de todas as licenças necessárias para usufruto de um assento no mercado que se realizava mensalmente no centro da cidade, para poder vender e expor os meus fabulosos frutos e legumes. Toda esta burocracia demorou a manhã inteira, e por isso, acabei por almoçar na cidade.

Quando regressei a casa, já o sol se resguardava no horizonte luzidio, perspectivando uma bela noite de primavera, o que me moveu a dar um passeio pelo meio das hortas a fim de observar o crescimento das minhas plantações. E foi no momento em que penetrei na área reservada às batatas, que senti um regelo a perfurar-me a medula dos ossos. A área de cultivo estava...toda destruída!

Quem poderia ter feito uma maldade daquelas, às minhas plantações?

Sem me deter, penetrei pela habitação adentro para aceder ao telefone, pois tencionava dar parte às autoridades daquela malvadez, mas nem tive tempo de me aproximar do aparelho, pois o corredor que dava acesso à sala de estar, estava bloqueado. Das profundezas do inferno, elevava-se um monstro colossal. Maior do que um armário, ali se demorava um insecto bizarro, que agitava pavorosamente as suas antenas. – Como era possível?...De onde brotara aquele ser monstruoso? Eu sofro de aversão a insectos, mas aquilo era uma coisa disforme.

Retrocedi até à minha dispensa e de lá retirei a minha caçadeira de canos serrados, que estava sempre carregada. Voltei ao hall, e a tremer, descarreguei a arma com vários tiros, que acertaram mesmo na cabeça do monstro, que se desfez numa nojenta pasta esverdeada e gelatinosa. Seguidamente, aproximei-me do verme já morto e pude constatar que se tratava de um escaravelho, e pelos seus élitros amarelos, listrados a negro, concluí que não era um insecto qualquer, mas o escaravelho da batateira. Fora ele quem revolvera a plantação de batatas. A questão logo me assombrou o espírito: Terá a poção provocado um duplo efeito, nos legumes e, por consequência, nos seus parasitas? A resposta jazia ali mesmo à minha frente. Um escaravelho grotesco que se desenvolvera descomunalmente sob a terra, alimentando-se das sementes e dos legumes que eu cultivava, tornou-se tão gigante como os frutos que brotavam da terra.

Tinha de conceber um antídoto para aniquilar os parasitas que deviam abundar sob a terra, pois, a estimar pelo tamanho daquele, não tardaria que a minha habitação se infestasse de monstros subterrâneos...Oh Meu Deus! Tremo até de pensar. Eu, que sou alérgico a insectos!

Afastei-me daquele aposento, e dirigi-me à cave onde se conservava o laboratório, onde eu desenvolvi a formula. Demorei a abrir a porta, mas com algum esforço, consegui penetrar lá para dentro, e novamente voltei a sofrer um jorro de terror que me atravessou a espinha. Pelo compartimento, transbordavam dezenas de formigas gigantescas, num grande emaranhado de patas e antenas, por entre os cacos dos meus utensílios e fragmentos que restavam do... meu reduto científico!

Estava tudo perdido. Senti uma cólera angustiante ao assistir aquele cenário espantoso e apavorante. Senti-me vítima da minha própria genialidade, e ao mesmo tempo, o meu espírito rendeu-se à incapacidade de defrontar aqueles malditos insectos, pois, do meu bastião, apenas subsistiam as paredes!

Um calafrio medonho.

Foi o que eu senti, quando dei por mim rodeado de formigas avermelhadas, que poderiam bem ser venenosas, e que trepavam umas por cima das outras, entrecruzando as suas antenas como se fossem os dedos de um mágico. Oh, não! Era mau demais. Aquilo não podia estar a acontecer comigo!...

Peguei num extintor de CO2 que se conservava na parede, soltei-lhe a cavilha de segurança e disparei contra aquelas que me bloqueavam a saída, incinerando-lhes as cabeças e o corpo, conseguindo desta forma alcançar a porta, que me salvava daquele inferno formicídeo. Foi num instante, enquanto me pus no exterior da habitação, evadindo-me dali para tentar pedir ajuda...a alguém que acreditasse em mim; mas apenas dei pouco mais de um dezena de passos, até esbarrar numa parede áspera, como um muro revestido com cimento. “Mas que raio...Não me lembro deste muro por aqui!”... – Resmunguei eu. Pois não, o muro, era a armadura de um imenso gafanhoto, que se saciava com uma das minhas maçãs gigantes. Foi com terror delirante que observei os seus enormes olhos, que me procuraram sem me ver.

Mais adiante...Oh, mais adiante aglomeravam-se dezenas daqueles monstros. Escaravelhos, aranhas, formigas, tudo! Era o meu fim. Quando dei por mim estava no meio da horta que eu criara, e no fundo do inferno que dali brotara.

Eu ia ser devorado, tal como se fosse um cogumelo, ou um simples...nabo!

Era a minha insectofobia elevada a potência máxima. Imaginem uma pessoa que tem pavor de ratos, cair num esgoto do convento de Mafra! Assim estava eu. A poucos metros de mim, aqueles demónios avançavam na minha direcção. Pois sim, já tinham devastado tudo. Já não restava nada, apenas eu. Agora era a disputa entre eles, para ver, quem ficava com o ultimo naco...que era eu! Eu, Meu Deus!...

Suportei a baba do gafanhoto em cima da minha face, e...rezei. Segundos depois senti uma baba mais densa, mas menos viscosa. Cada vez mais, até que o ortóptero...desabotoou as asas, e fugiu! Depois dele, notei que mais uns tantos tinham igualmente voado dali para fora, deixando uma larga clareira à minha volta, que me permitiu respirar fundo. Foi quando levantei a cara para o céu e senti a chuva a salpicar-me o rosto. Afinal não era baba, o que sentira, mas sim, pingos de chuva. A chuva milagrosa que tardava em chegar, e que tombou provinda dos Céus, como um milagre que me salvou a vida.

Foi com a apreensão estampada na minha face que observei a chuva a fustigar aqueles insectos ciclópicos, como se estivessem a ser vítimas de um raid Aéreo, sem piedade. Choveu durante toda a noite, até de madrugada, deixando a minha horta transformada num cemitério de insectos afogados e dilacerados, cujos cadáveres se amontoavam uns por cima dos outros.

Do cimo do meu telhado, olhei de novo para o céu, de onde brotavam agora alguns raios de sol, e eu agradeci. Oh sim agradeci a Deus por me ter salvo, e por ter me dado uma grande lição: Nunca, ninguém deve ocupar o lugar da Natureza, e muito menos o de...Deus!

(1)Glândula que desprovida de canal excretor, verte no sangue os produtos que segrega: Hormonas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O MISTÉRIO DO HOMEM DE PRETO

O QUADRO DO PALHAÇO

A SÉTIMA PÉTALA