HONRA AO MÉRITO
HONRA AO MÉRITO
Autor:Fernando Ferric
Sem dúvida a figura mais marcante da minha infância era meu avô Fred, eu ficava hipnotizado com suas histórias impressionantes. Certo dia, ele me chamou em seu quarto e começou a mostrar fotos e objetos antigos de um velho baú, me chamou atenção uma linda medalha. Estranhei o fato dele ter uma medalha do exército sem nunca ter servido. E antes mesmo de eu perguntar, ele disse:
“Eu também já fui um herói meu rapaz” – colocando a medalha em meu peito. – “Gostou dela? Agora é sua.” – sorriu – “Você deve estar se perguntando como foi que consegui conquistar essa medalha, não é Josh? Está preparado pra ouvir a história mais impressionante da sua vida?”
Eu apenas balancei a cabeça, afirmando. Ele deu um trago em seu cachimbo, e tossiu forte, eliminando o pigarro em sua garganta.
“Não lembro se já te contei do Billy Manco, ele era muito conhecido em Massena, onde moramos por muito tempo antes de vir para Nova York. Um sujeito simples que ganhava a vida coletando ferro velho, recolhia tudo que as pessoas se desfaziam. Sua aparência era assustadora, maltrapilho, com poucos dentes na boca, e com uma perna maior que a outra.
O que fazia jus ao seu apelido. Imagine Josh, qual criança não ficaria gelada se a mãe ameaçasse de entrega-la para ele?
Morávamos na mesma quadra, sempre via ele passar com o velho carrinho de supermercado cheio de bugigangas.
Billy era rabugento, e ficava enfezado quando o imitavam, ele detestava crianças. Talvez por que não teve a infância que gostaria. Eu era um menino muito bagunceiro, nada anormal quando se tem apenas nove anos. E à tarde, depois da escola, eu e meus amigos sempre jogávamos beisebol.
Seu bisavô era o maior fanático de beisebol que eu já conheci. Ele tinha conseguido uma bola autografada em um jogo comemorativo dos Yankees. Essa bola tinha um valor enorme para ele, e para qualquer amante de beisebol.
Mostrei a bola para meus amigos, Chris e Mack. Convenceu-me depois de muito insistirem para darmos umas tacadas com ela, mesmo receoso eu sabia que a chance do meu pai descobrir era mínima, pois ele chegava muito tarde.
Lá estávamos, brincando de rebatida... Entre erros e acertos, o inesperado. O som da rebatida podia anunciar... – E lá vai... Meu maravilhoso Home Run - disse Mack acertando uma rebatida perfeita...
Mas para nossa surpresa a bola tomou um rumo indesejado.
O quintal do Manco!!!
Já tínhamos perdido a conta de bolas perdidas, caídas no quintal do “Manco”, ninguém tinha coragem de ir buscar qualquer objeto naquele terreno. Mas aquela era uma bola especial... Os dois ficaram olhando pra mim... Só pude expressar: - Estou morto...
E realmente estaria se não desse um jeito de recuperar aquela bola. Maldito Mack e seu Home Run! Estávamos perante um grande problema. Pela primeira vez, teríamos que ter coragem pra entrar no quintal daquele ser abominável que nos assustava tanto.
- Ora, não temos que temer aquele velho. – disse Mack – Eu dou cobertura e vocês pulam no quintal. Provavelmente ele ainda demore pra voltar. Se ele aparecer, eu assobio.
- Muito espertinho você, né Mack? Foi você que rebateu. Foi seu maravilhoso Home Run, não foi? Então agora arregace as mangas senhor rebatedor, e vá buscar a bola! – gritou Chris empurrando ele contra a parede.
Os dois se atracaram e caíram no chão. Após alguns socos e pontapés eu entrei no meio pra separar. Já estava acostumado com as brigas dos irmãos Buck. Mack era apenas um ano mais velho que Chris, sempre estavam juntos e discutiam toda hora. Mas, quando alguém mexia com um dos dois, o sangue falava mais alto, se defendiam com unhas e dentes. Crescemos juntos, morávamos na mesma rua. Era comum eu ter que apaziguar os ânimos.
- Tudo bem, a bola é do meu pai... Eu pego! Vocês me dão cobertura. Os dois me olharam espantados. Talvez por eu ter gritado, ter sido firme como um homem, ou por achar que eu devia estar louco de entrar naquele quintal.
O caminho até a casa de Billy parecia interminável, estávamos assustados, o silêncio só era cortado pelo som do vento rebatendo nas folhas das árvores.
Senti meus pés congelarem quando chegamos em frente à casa. Enquanto Mack e Chris decidiam onde se esconder, eu, pulava a pequena cerca de madeira que mesmo apodrecida ainda lutava em permanecer erguida. Assim que pisei no terreno, ouvi um:
– Boa sorte Fred!!!
Lá estava seu avô, metido em mais uma confusão, dessa vez em uma das grandes. Seria uma árdua tarefa achar a bola entre pneus velhos empilhados, centenas de garrafas vazias, papelão, ferro velho e muito, muito lixo.
Quanto mais tempo passava, mais me desesperava. Notando que eu não estava conseguindo encontrar, Chris decidiu me ajudar.
Ele procurava de um lado e eu do outro. Depois de muita procura, lá estava ela, escondida atrás de algumas garrafas, a sorte sorriu para mim. Não contive minha alegria. Estava aliviado, era só chamar o Chris e sair daquele lugar. Mas ele não estava lá, gritei por ele e nada. Olhei para a casa do Manco sem querer acreditar que ele pudesse ser capaz de ter entrado. A porta estava entre aberta. Subi lentamente os degraus que davam acesso a varanda. Senti o suor frio escorrer por toda a minha testa e pairar na minha sobrancelha.
Toquei levemente na porta, e o ranger forte e lento poderia fazer parte de qualquer filme de horror.
- Chris??? – sussurrei
Aproximei meu rosto para ver se conseguia avista-lo, de repente senti uma mão bater em meu ombro. Foi como se tivesse levado um soco na boca do estomago.
- O que está acontecendo imbecil? Cadê meu irmão?
- Ma-Mack! – gritei me recuperando do susto – Ele deve ter entrado...
- Que estúpido! Ele ta ai dentro? – gritou, abrindo totalmente a porta com o bastão. – As damas primeiro! – disse, me empurrando com toda sua delicadeza.
Entrei na sala, e imediatamente um cheiro insuportável me invadiu.
A pouca claridade que havia no ambiente vinha apenas da entrada. O mofo dominava as paredes, e a única janela que havia na sala estava completamente obstruída por lascas de madeira. Os poucos móveis que havia, uma cristaleira, uma poltrona e uma mesa de centro, estavam cobertos pelo pó.
- Como esse velho é sujo! – exclamou Mack tirando resquícios de teia grudados nos seus cabelos.
Chris não estava na sala, provavelmente estava xeretando o resto da casa. Um pequeno e esquisito rádio em cima da mesa nos chamou atenção.
- Esta ouvindo? – perguntou Mack – Está ligado! Vou tentar sintonizar.
Ao invés de sintonizar ele só aumentou o som irritante do aparelho.
- Não mexa nisso. Temos que sair logo daqui. Essa casa me dá arrepios.
- Arrepios? Isso aqui me dá vontade de vomitar, isso sim! Essa porcaria esta com defeito. Vamos pegar o estúpido do meu irmão.
A casa era grande e no fim da sala havia um longo corredor. Estava escuro, e assim que adentrei não tive coragem de prosseguir, havia pisado em algo, o chão parecia fofo. Pedi para Mack procurar o interruptor para que pudesse iluminar.
- Faça-se a LUZ! – gritou ele ao acender.
- M-Meu Deus! Baratas!!!
Não era uma ou duas baratas, eram centenas, talvez milhares delas. Por todo o chão, subindo nas minhas pernas e correndo pelas paredes. Quanto mais baratas eu pisoteava, mais parecia surgir. Mack parecia se divertir com seu bastão, esmagando-as com toda força. Aos poucos, as que sobreviveram ao massacre se afugentaram.
- Meu tênis está nojento... Meu “All Star” branquinho...
- Esquece seu tênis. Olha isso... – disse Mack batendo com o taco no chão.
O chão afundava a cada batida, a madeira estava úmida, aparentemente apodrecida. Ouvimos o barulho de terra deslizando, e de repente o piso se abriu, formando um imenso buraco bem abaixo dele, tentei, mas não consegui evitar que caísse.
- Mack, você esta bem?
- Estou cabeçudo... Só machuquei a perna. – respondeu – Cara, você precisa ver isso aqui. É enorme!
Tomei coragem e desci. Parecia um túnel, era muito extenso.
- Definitivamente, isso aqui não é um porão. – disse ele apontando para um ponto de luz há alguns metros de onde estávamos.
Indagávamos se o Manco tinha conhecimento daquela passagem embaixo da sua propriedade. Enquanto percorríamos o corredor eu só torcia pra voltar pra casa logo.
- Precisamos voltar, temos que achar seu irmão.
- Calma, vamos ver o que tem lá, e se for uma antiga mina de ouro, estaremos ricos! – disse ele batendo nas minhas costas.
Ricos? Estávamos encrencados! Além de invadir a propriedade do Manco tínhamos destruído seu piso.
Notei que ele realmente estava acreditando que encontraria algo valioso ali, apenas fiquei quieto ouvindo ele falar aquelas bobagens. Chris sempre foi mais centrado, inteligente e educado, bem parecido comigo, modéstia à parte filho.”
Nesse momento meu avô deu mais um pito em seu cachimbo. E continuou...
28/04/2006 10:49
“Já o Mack, ah esse era terrível, um touro, totalmente desprovido de educação, e de inteligência também. Sempre se metia em confusão, era péssimo na escola, mas muito bom no beisebol, graças a sua habilidade nas rebatidas estávamos naquela situação.
Quando chegamos no local iluminado, encontramos uma escada que dava acesso àquela passagem subterrânea. No chão havia uma pequena e circular tampa de ferro.
- Isso aqui parece uma espécie de bunker, meu pai disse que gostaria de ter um para proteger nossa família.
- Impossível! Como o Manco ia ter algo assim embaixo de casa... Deve ser apenas uma espécie de poço. – disse Mack
Ele se abaixou, tentando abrir a tampa.
- Não faça isso! Já fomos muito longe... Chega de confusão. Vamos embora Mack. Pra mim chega! Se não quiser, pode ficar...
Ele me olhou assustado, meio sem graça.
- Você está certo. Vamos voltar.
Subimos a pequena escada, que dava acesso a uma pequena porta de madeira. Pra nossa sorte, estava apenas encostada. Mack abriu lentamente.
- Estamos na cozinha... Consigo ver uma mesa... E... Meu deus!!!
- O que foi? – perguntei assustado
Aproximei para observar pela fresta. A porta em que estávamos era como se fosse de uma dispensa, estávamos realmente na cozinha do Manco, ao lado da mesa estava o carrinho do velho. Ele estava na casa, talvez não tivesse saído naquele dia. Mas, com certeza estava lá. Jamais vi o Manco sem aquele carrinho.
- Temos que sair o mais rápido daqui!
- Espera Mack, alguém esta vindo.
- É o meu irmão! – ele gritou
Mack tentou abrir a porta. Mas eu o segurei. Chris estava estranho, cambaleando, vinha em direção à porta, deu mais alguns passos e caiu, estatelado no chão, com os olhos abertos olhando em nossa direção, uma expressão de pavor que jamais vou esquecer, as primeiras gotas de sangue que caíram da sua boca tocaram o piso. O medo parecia corroer nossos nervos e só aumentou quando vimos Billy Manco.
Com minha mão tampei a boca de Mack, para evitar que ele gritasse.
Foi o suficiente para ter certeza que teríamos que sair logo dali. Mack estava fora de controle. Peguei-o pelo braço e o forcei a descer a escada comigo. Sussurrei em seu ouvido, disse pra ele que não havia nada que pudéssemos fazer para ajudar seu irmão, tínhamos que sair e chamar a polícia.
Mas como sair sem ser notado pelo Manco? A única chance era tentar abrir aquela porta de ferro. A porta era pesada, mas não estava travada. Puxamos a tampa, com cuidado para não fazer barulho. Aquilo realmente parecia um poço, só que era limpo, incrivelmente limpo, e feito com um material muito parecido com alumínio, dava pra ver nosso reflexo nele.
04/05/2006 10:21
- Não temos saída, temos que tentar sair daqui. Mack... Não podemos ficar aqui parados. Vamos!
Tomei coragem e entrei primeiro. Era realmente estranho aquele lugar, jamais tinha visto algo daquele tipo.
- Vamos Mack! Não temos tempo...
O lugar não era um bunker como eu pensava, parecia um laboratório. Cheio de balcões com tubos de ensaio. Dentro de cubos de vidro havia varias espécies de insetos, partes de animais, galhos de arvores, folhas, plantas, frutas...
Era impressionante, mas não dava pra ficar olhando tínhamos que sair logo dali.
De repente ouvimos o barulho da porta, o Manco estava descendo. Nos escondemos atrás de um dos balcões.
O Manco entrou na sala arrastando Chris pelas pernas, e o colocou em cima da mesa. Observávamos espantados, aquilo tudo. Paralisados. O velho começou a despi-lo, jogando a roupa no chão. Chris estava inerte em cima daquela mesa. O Manco abriu a gaveta e retirou de lá objetos estranhos de metal, nunca havia visto nada parecido.
Com algo muito parecido com um bisturi nas mãos ele voltou-se para o corpo de Chris e com rápidos movimentos começou a cortá-lo. O sangue escorria por toda a mesa.
04/05/2006 10:25
Foi demais para Mack. Ele saiu detrás do balcão empunhando o taco de beisebol.
-
Larga meu irmão seu velho miserável!
Ele se virou para o Mack segurando o braço decepado do Chris.
- Olha só... Tenho visitas. Que parte quer que eu largue?
Tomei coragem e levantei, cercando o Manco.
- Vocês humanos são tão patéticos. Dois seres insignificantes... Acham que podem fazer algo? Vou mostrar uma coisa.
Os braços dele foram mudando de forma, como por mágica ele se transformou em uma criatura bizarra.
- Estamos mortos! Jamais sairemos daqui – disse Mack
Olhei para ele, e me veio uma idéia, eu estava coma bola e ele com o taco, e com seu grande dom de rebater uma bola com muita força. Olhei para ele e fiz um sinal que sempre usávamos nas partidas. Ele piscou.
Arremessei a bola e Mack deu uma tacada certeira bem na cabeça do bicho que desnorteado, caiu. Era nossa chance de fugir.
Corremos em direção a entrada, e a criatura monstruosa estava atrás da gente. Quando de repente Mack caiu.
- Eu não vou conseguir... Continue Fred!
- Não! Não vou deixar você.
Voltei e ajudei-o a levantar. Consegui abrir a porta e Mack com o bastão tentava afastar o bicho.
De repente uma mão pegou meu braço e me puxou.
- Fique calmo filho! Está seguro agora. – disse o homem puxando também meu amigo - Isso agora é um assunto do exército dos Estados Unidos! – disse um homem com uma roupa estranha, parecia vestimenta de astronauta. Junto com ele havia mais alguns.
Eles entraram no subterrâneo enquanto outros nos levaram para fora da casa. Dava pra ouvir os disparos. Muitos disparos. Fomos levados para uma ambulância, e ficamos alguns dias realizando muitos exames em uma base militar. Lá soubemos que graças às ondas de rádio, eles encontraram o que há muito tempo procuravam. O estranho rádio que Mack havia mexido.
Depois disso nunca mais tive noticias do Mack. Sei que a família dele mudou de Massena, assim como a minha. O governo deu toda assistência. Só tínhamos que ficar de boca fechada! Dizia meu pai. E foi assim que consegui essa medalha de honra dada por um comandante das Forças Armadas.”
Por mais que eu quisesse não consegui acreditar na história que meu avô tinha me contado. Monstros alienígenas, corpos dissecados, ondas de rádio extraterrestres, era muita fantasia até pra uma criança. Mesmo assim fiquei com a bonita medalha, e a deixei esquecida dentro de uma gaveta, ao lado de velhos brinquedos que eu não ligava mais. Dois anos depois meu avô se foi, e no seu enterro um senhor que conversava com meu pai veio e sentou-se ao meu lado.
- Seu pai me disse que seu avô gostava muito de você.
Eu apenas sorri, encabulado.
- Procurei por longos anos reencontrar meu velho amigo, e quando consegui, ele resolve adiar mais um pouco. Tenho um objeto de grande valor que pertencia a ele, e acho que agora tem que pertencer a você. – ele retirou do casaco uma bola de beisebol e colocou no meu colo – Não é uma bola qualquer, é uma bola dos Yankees toda autografada como pode ver. Passamos muitos apuros por ela. Enfim, entregaram por engano pra mim, e agora estou devolvendo, não poderia morrer sem fazer isso. Garoto, seu avô foi um grande herói e acima de tudo um grande amigo. Eu, ele e meu falecido irmão éramos um trio terrível. – disse o senhor, batendo em minha perna.
Do cemitério a minha casa fiquei pensando naquilo. Ao chegar, fui correndo para meu quarto, tirei a medalha do baú e coloquei na minha mesa, ao lado da bola e do retrato dele. Até hoje, nos momentos difíceis, converso com ele e sempre tento me espelhar no homem lutador e corajoso que foi.
Lembro que após terminar de contar a história da medalha ele colocou a mão em meu ombro, apontou para o céu e disse:
- Nós passamos anos, décadas, procurando vida inteligente de outros planetas. Nos preparando para o dia do encontro. Mas não precisamos procurar, eles já nos encontraram. E estão mais próximos do que imaginamos.
Autor:Fernando Ferric
Sem dúvida a figura mais marcante da minha infância era meu avô Fred, eu ficava hipnotizado com suas histórias impressionantes. Certo dia, ele me chamou em seu quarto e começou a mostrar fotos e objetos antigos de um velho baú, me chamou atenção uma linda medalha. Estranhei o fato dele ter uma medalha do exército sem nunca ter servido. E antes mesmo de eu perguntar, ele disse:
“Eu também já fui um herói meu rapaz” – colocando a medalha em meu peito. – “Gostou dela? Agora é sua.” – sorriu – “Você deve estar se perguntando como foi que consegui conquistar essa medalha, não é Josh? Está preparado pra ouvir a história mais impressionante da sua vida?”
Eu apenas balancei a cabeça, afirmando. Ele deu um trago em seu cachimbo, e tossiu forte, eliminando o pigarro em sua garganta.
“Não lembro se já te contei do Billy Manco, ele era muito conhecido em Massena, onde moramos por muito tempo antes de vir para Nova York. Um sujeito simples que ganhava a vida coletando ferro velho, recolhia tudo que as pessoas se desfaziam. Sua aparência era assustadora, maltrapilho, com poucos dentes na boca, e com uma perna maior que a outra.
O que fazia jus ao seu apelido. Imagine Josh, qual criança não ficaria gelada se a mãe ameaçasse de entrega-la para ele?
Morávamos na mesma quadra, sempre via ele passar com o velho carrinho de supermercado cheio de bugigangas.
Billy era rabugento, e ficava enfezado quando o imitavam, ele detestava crianças. Talvez por que não teve a infância que gostaria. Eu era um menino muito bagunceiro, nada anormal quando se tem apenas nove anos. E à tarde, depois da escola, eu e meus amigos sempre jogávamos beisebol.
Seu bisavô era o maior fanático de beisebol que eu já conheci. Ele tinha conseguido uma bola autografada em um jogo comemorativo dos Yankees. Essa bola tinha um valor enorme para ele, e para qualquer amante de beisebol.
Mostrei a bola para meus amigos, Chris e Mack. Convenceu-me depois de muito insistirem para darmos umas tacadas com ela, mesmo receoso eu sabia que a chance do meu pai descobrir era mínima, pois ele chegava muito tarde.
Lá estávamos, brincando de rebatida... Entre erros e acertos, o inesperado. O som da rebatida podia anunciar... – E lá vai... Meu maravilhoso Home Run - disse Mack acertando uma rebatida perfeita...
Mas para nossa surpresa a bola tomou um rumo indesejado.
O quintal do Manco!!!
Já tínhamos perdido a conta de bolas perdidas, caídas no quintal do “Manco”, ninguém tinha coragem de ir buscar qualquer objeto naquele terreno. Mas aquela era uma bola especial... Os dois ficaram olhando pra mim... Só pude expressar: - Estou morto...
E realmente estaria se não desse um jeito de recuperar aquela bola. Maldito Mack e seu Home Run! Estávamos perante um grande problema. Pela primeira vez, teríamos que ter coragem pra entrar no quintal daquele ser abominável que nos assustava tanto.
- Ora, não temos que temer aquele velho. – disse Mack – Eu dou cobertura e vocês pulam no quintal. Provavelmente ele ainda demore pra voltar. Se ele aparecer, eu assobio.
- Muito espertinho você, né Mack? Foi você que rebateu. Foi seu maravilhoso Home Run, não foi? Então agora arregace as mangas senhor rebatedor, e vá buscar a bola! – gritou Chris empurrando ele contra a parede.
Os dois se atracaram e caíram no chão. Após alguns socos e pontapés eu entrei no meio pra separar. Já estava acostumado com as brigas dos irmãos Buck. Mack era apenas um ano mais velho que Chris, sempre estavam juntos e discutiam toda hora. Mas, quando alguém mexia com um dos dois, o sangue falava mais alto, se defendiam com unhas e dentes. Crescemos juntos, morávamos na mesma rua. Era comum eu ter que apaziguar os ânimos.
- Tudo bem, a bola é do meu pai... Eu pego! Vocês me dão cobertura. Os dois me olharam espantados. Talvez por eu ter gritado, ter sido firme como um homem, ou por achar que eu devia estar louco de entrar naquele quintal.
O caminho até a casa de Billy parecia interminável, estávamos assustados, o silêncio só era cortado pelo som do vento rebatendo nas folhas das árvores.
Senti meus pés congelarem quando chegamos em frente à casa. Enquanto Mack e Chris decidiam onde se esconder, eu, pulava a pequena cerca de madeira que mesmo apodrecida ainda lutava em permanecer erguida. Assim que pisei no terreno, ouvi um:
– Boa sorte Fred!!!
Lá estava seu avô, metido em mais uma confusão, dessa vez em uma das grandes. Seria uma árdua tarefa achar a bola entre pneus velhos empilhados, centenas de garrafas vazias, papelão, ferro velho e muito, muito lixo.
Quanto mais tempo passava, mais me desesperava. Notando que eu não estava conseguindo encontrar, Chris decidiu me ajudar.
Ele procurava de um lado e eu do outro. Depois de muita procura, lá estava ela, escondida atrás de algumas garrafas, a sorte sorriu para mim. Não contive minha alegria. Estava aliviado, era só chamar o Chris e sair daquele lugar. Mas ele não estava lá, gritei por ele e nada. Olhei para a casa do Manco sem querer acreditar que ele pudesse ser capaz de ter entrado. A porta estava entre aberta. Subi lentamente os degraus que davam acesso a varanda. Senti o suor frio escorrer por toda a minha testa e pairar na minha sobrancelha.
Toquei levemente na porta, e o ranger forte e lento poderia fazer parte de qualquer filme de horror.
- Chris??? – sussurrei
Aproximei meu rosto para ver se conseguia avista-lo, de repente senti uma mão bater em meu ombro. Foi como se tivesse levado um soco na boca do estomago.
- O que está acontecendo imbecil? Cadê meu irmão?
- Ma-Mack! – gritei me recuperando do susto – Ele deve ter entrado...
- Que estúpido! Ele ta ai dentro? – gritou, abrindo totalmente a porta com o bastão. – As damas primeiro! – disse, me empurrando com toda sua delicadeza.
Entrei na sala, e imediatamente um cheiro insuportável me invadiu.
A pouca claridade que havia no ambiente vinha apenas da entrada. O mofo dominava as paredes, e a única janela que havia na sala estava completamente obstruída por lascas de madeira. Os poucos móveis que havia, uma cristaleira, uma poltrona e uma mesa de centro, estavam cobertos pelo pó.
- Como esse velho é sujo! – exclamou Mack tirando resquícios de teia grudados nos seus cabelos.
Chris não estava na sala, provavelmente estava xeretando o resto da casa. Um pequeno e esquisito rádio em cima da mesa nos chamou atenção.
- Esta ouvindo? – perguntou Mack – Está ligado! Vou tentar sintonizar.
Ao invés de sintonizar ele só aumentou o som irritante do aparelho.
- Não mexa nisso. Temos que sair logo daqui. Essa casa me dá arrepios.
- Arrepios? Isso aqui me dá vontade de vomitar, isso sim! Essa porcaria esta com defeito. Vamos pegar o estúpido do meu irmão.
A casa era grande e no fim da sala havia um longo corredor. Estava escuro, e assim que adentrei não tive coragem de prosseguir, havia pisado em algo, o chão parecia fofo. Pedi para Mack procurar o interruptor para que pudesse iluminar.
- Faça-se a LUZ! – gritou ele ao acender.
- M-Meu Deus! Baratas!!!
Não era uma ou duas baratas, eram centenas, talvez milhares delas. Por todo o chão, subindo nas minhas pernas e correndo pelas paredes. Quanto mais baratas eu pisoteava, mais parecia surgir. Mack parecia se divertir com seu bastão, esmagando-as com toda força. Aos poucos, as que sobreviveram ao massacre se afugentaram.
- Meu tênis está nojento... Meu “All Star” branquinho...
- Esquece seu tênis. Olha isso... – disse Mack batendo com o taco no chão.
O chão afundava a cada batida, a madeira estava úmida, aparentemente apodrecida. Ouvimos o barulho de terra deslizando, e de repente o piso se abriu, formando um imenso buraco bem abaixo dele, tentei, mas não consegui evitar que caísse.
- Mack, você esta bem?
- Estou cabeçudo... Só machuquei a perna. – respondeu – Cara, você precisa ver isso aqui. É enorme!
Tomei coragem e desci. Parecia um túnel, era muito extenso.
- Definitivamente, isso aqui não é um porão. – disse ele apontando para um ponto de luz há alguns metros de onde estávamos.
Indagávamos se o Manco tinha conhecimento daquela passagem embaixo da sua propriedade. Enquanto percorríamos o corredor eu só torcia pra voltar pra casa logo.
- Precisamos voltar, temos que achar seu irmão.
- Calma, vamos ver o que tem lá, e se for uma antiga mina de ouro, estaremos ricos! – disse ele batendo nas minhas costas.
Ricos? Estávamos encrencados! Além de invadir a propriedade do Manco tínhamos destruído seu piso.
Notei que ele realmente estava acreditando que encontraria algo valioso ali, apenas fiquei quieto ouvindo ele falar aquelas bobagens. Chris sempre foi mais centrado, inteligente e educado, bem parecido comigo, modéstia à parte filho.”
Nesse momento meu avô deu mais um pito em seu cachimbo. E continuou...
28/04/2006 10:49
“Já o Mack, ah esse era terrível, um touro, totalmente desprovido de educação, e de inteligência também. Sempre se metia em confusão, era péssimo na escola, mas muito bom no beisebol, graças a sua habilidade nas rebatidas estávamos naquela situação.
Quando chegamos no local iluminado, encontramos uma escada que dava acesso àquela passagem subterrânea. No chão havia uma pequena e circular tampa de ferro.
- Isso aqui parece uma espécie de bunker, meu pai disse que gostaria de ter um para proteger nossa família.
- Impossível! Como o Manco ia ter algo assim embaixo de casa... Deve ser apenas uma espécie de poço. – disse Mack
Ele se abaixou, tentando abrir a tampa.
- Não faça isso! Já fomos muito longe... Chega de confusão. Vamos embora Mack. Pra mim chega! Se não quiser, pode ficar...
Ele me olhou assustado, meio sem graça.
- Você está certo. Vamos voltar.
Subimos a pequena escada, que dava acesso a uma pequena porta de madeira. Pra nossa sorte, estava apenas encostada. Mack abriu lentamente.
- Estamos na cozinha... Consigo ver uma mesa... E... Meu deus!!!
- O que foi? – perguntei assustado
Aproximei para observar pela fresta. A porta em que estávamos era como se fosse de uma dispensa, estávamos realmente na cozinha do Manco, ao lado da mesa estava o carrinho do velho. Ele estava na casa, talvez não tivesse saído naquele dia. Mas, com certeza estava lá. Jamais vi o Manco sem aquele carrinho.
- Temos que sair o mais rápido daqui!
- Espera Mack, alguém esta vindo.
- É o meu irmão! – ele gritou
Mack tentou abrir a porta. Mas eu o segurei. Chris estava estranho, cambaleando, vinha em direção à porta, deu mais alguns passos e caiu, estatelado no chão, com os olhos abertos olhando em nossa direção, uma expressão de pavor que jamais vou esquecer, as primeiras gotas de sangue que caíram da sua boca tocaram o piso. O medo parecia corroer nossos nervos e só aumentou quando vimos Billy Manco.
Com minha mão tampei a boca de Mack, para evitar que ele gritasse.
Foi o suficiente para ter certeza que teríamos que sair logo dali. Mack estava fora de controle. Peguei-o pelo braço e o forcei a descer a escada comigo. Sussurrei em seu ouvido, disse pra ele que não havia nada que pudéssemos fazer para ajudar seu irmão, tínhamos que sair e chamar a polícia.
Mas como sair sem ser notado pelo Manco? A única chance era tentar abrir aquela porta de ferro. A porta era pesada, mas não estava travada. Puxamos a tampa, com cuidado para não fazer barulho. Aquilo realmente parecia um poço, só que era limpo, incrivelmente limpo, e feito com um material muito parecido com alumínio, dava pra ver nosso reflexo nele.
04/05/2006 10:21
- Não temos saída, temos que tentar sair daqui. Mack... Não podemos ficar aqui parados. Vamos!
Tomei coragem e entrei primeiro. Era realmente estranho aquele lugar, jamais tinha visto algo daquele tipo.
- Vamos Mack! Não temos tempo...
O lugar não era um bunker como eu pensava, parecia um laboratório. Cheio de balcões com tubos de ensaio. Dentro de cubos de vidro havia varias espécies de insetos, partes de animais, galhos de arvores, folhas, plantas, frutas...
Era impressionante, mas não dava pra ficar olhando tínhamos que sair logo dali.
De repente ouvimos o barulho da porta, o Manco estava descendo. Nos escondemos atrás de um dos balcões.
O Manco entrou na sala arrastando Chris pelas pernas, e o colocou em cima da mesa. Observávamos espantados, aquilo tudo. Paralisados. O velho começou a despi-lo, jogando a roupa no chão. Chris estava inerte em cima daquela mesa. O Manco abriu a gaveta e retirou de lá objetos estranhos de metal, nunca havia visto nada parecido.
Com algo muito parecido com um bisturi nas mãos ele voltou-se para o corpo de Chris e com rápidos movimentos começou a cortá-lo. O sangue escorria por toda a mesa.
04/05/2006 10:25
Foi demais para Mack. Ele saiu detrás do balcão empunhando o taco de beisebol.
-
Larga meu irmão seu velho miserável!
Ele se virou para o Mack segurando o braço decepado do Chris.
- Olha só... Tenho visitas. Que parte quer que eu largue?
Tomei coragem e levantei, cercando o Manco.
- Vocês humanos são tão patéticos. Dois seres insignificantes... Acham que podem fazer algo? Vou mostrar uma coisa.
Os braços dele foram mudando de forma, como por mágica ele se transformou em uma criatura bizarra.
- Estamos mortos! Jamais sairemos daqui – disse Mack
Olhei para ele, e me veio uma idéia, eu estava coma bola e ele com o taco, e com seu grande dom de rebater uma bola com muita força. Olhei para ele e fiz um sinal que sempre usávamos nas partidas. Ele piscou.
Arremessei a bola e Mack deu uma tacada certeira bem na cabeça do bicho que desnorteado, caiu. Era nossa chance de fugir.
Corremos em direção a entrada, e a criatura monstruosa estava atrás da gente. Quando de repente Mack caiu.
- Eu não vou conseguir... Continue Fred!
- Não! Não vou deixar você.
Voltei e ajudei-o a levantar. Consegui abrir a porta e Mack com o bastão tentava afastar o bicho.
De repente uma mão pegou meu braço e me puxou.
- Fique calmo filho! Está seguro agora. – disse o homem puxando também meu amigo - Isso agora é um assunto do exército dos Estados Unidos! – disse um homem com uma roupa estranha, parecia vestimenta de astronauta. Junto com ele havia mais alguns.
Eles entraram no subterrâneo enquanto outros nos levaram para fora da casa. Dava pra ouvir os disparos. Muitos disparos. Fomos levados para uma ambulância, e ficamos alguns dias realizando muitos exames em uma base militar. Lá soubemos que graças às ondas de rádio, eles encontraram o que há muito tempo procuravam. O estranho rádio que Mack havia mexido.
Depois disso nunca mais tive noticias do Mack. Sei que a família dele mudou de Massena, assim como a minha. O governo deu toda assistência. Só tínhamos que ficar de boca fechada! Dizia meu pai. E foi assim que consegui essa medalha de honra dada por um comandante das Forças Armadas.”
Por mais que eu quisesse não consegui acreditar na história que meu avô tinha me contado. Monstros alienígenas, corpos dissecados, ondas de rádio extraterrestres, era muita fantasia até pra uma criança. Mesmo assim fiquei com a bonita medalha, e a deixei esquecida dentro de uma gaveta, ao lado de velhos brinquedos que eu não ligava mais. Dois anos depois meu avô se foi, e no seu enterro um senhor que conversava com meu pai veio e sentou-se ao meu lado.
- Seu pai me disse que seu avô gostava muito de você.
Eu apenas sorri, encabulado.
- Procurei por longos anos reencontrar meu velho amigo, e quando consegui, ele resolve adiar mais um pouco. Tenho um objeto de grande valor que pertencia a ele, e acho que agora tem que pertencer a você. – ele retirou do casaco uma bola de beisebol e colocou no meu colo – Não é uma bola qualquer, é uma bola dos Yankees toda autografada como pode ver. Passamos muitos apuros por ela. Enfim, entregaram por engano pra mim, e agora estou devolvendo, não poderia morrer sem fazer isso. Garoto, seu avô foi um grande herói e acima de tudo um grande amigo. Eu, ele e meu falecido irmão éramos um trio terrível. – disse o senhor, batendo em minha perna.
Do cemitério a minha casa fiquei pensando naquilo. Ao chegar, fui correndo para meu quarto, tirei a medalha do baú e coloquei na minha mesa, ao lado da bola e do retrato dele. Até hoje, nos momentos difíceis, converso com ele e sempre tento me espelhar no homem lutador e corajoso que foi.
Lembro que após terminar de contar a história da medalha ele colocou a mão em meu ombro, apontou para o céu e disse:
- Nós passamos anos, décadas, procurando vida inteligente de outros planetas. Nos preparando para o dia do encontro. Mas não precisamos procurar, eles já nos encontraram. E estão mais próximos do que imaginamos.
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