NÃO NASCIDO (CONTO) - Renan de Paula Santos

Não-nascido

Renan de Paula Santos – Sailing to Orion



- Como pode me pedir uma coisa dessas?! Eu pensei, Ricardo, eu pensei que te conhecia, mas me enganei!

- A gente não pode acabar com a nossa própria vida em nome disso!

- Isso?! Não é isso?! É uma vida! Eu não vou fazer! Vai ter que me matar porque a menos que eu esteja morta, essa criança vai nascer!

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- Hey Jou! Tô chegando! Já fez o almoço?... Cara, vai ficar uma merda!

Paulo falava gargalhando com o irmão, enquanto se dirigia para a casa dele.

Depois que a namorada de seu irmão desapareceu, ele achou que umas férias com seu irmãozinho gêmeo seria muito bom para os dois. Assim que chegou, Paulo foi recebido pelo irmão, Ricardo, com muita alegria, isso talvez fosse diferente na infância quando os dois brigavam como gato e rato.

A casa do irmão ficava escondida em uma estrada ladeada por uma floresta com algumas colinas, sua casa ficava entre duas delas. Era aconchegante o cheiro e o frescor que as árvores davam ao lugar, o único problema era a distancia que Ricardo percorria até o ponto mais próximo para pegar o ônibus que levava os empregados da empresa na qual ele trabalhava.
Ao entrarem na aconchegante casa, os dois se esparramaram cada um em um sofá. Paulo olhou para o irmão, era o seu reflexo: alto, corpulento como um nadador, cabelos castanhos ultralisos, uma das grandes mãos no topo da cabeça cobrindo-a assim como ele fazia ao se jogar no sofá na infância.

- Estou com fome, Rick.

- Beleza, vamos almoçar.

Os dois almoçavam e conversavam falando das novidades, do esporte, dos trabalhos, namoros... Paulo reparou no tanto que os dois comiam, mas isso não afetava o belo físico dos irmãos. Após recolherem a mesa, Ricardo se sentou novamente na cadeira onde estava antes, abaixou a cabeça e se dirigiu ao irmão:

- Hey Jou, eu queria te falar uma coisa só que...

- Oque foi? Pelo visto num é uma coisa legal.

- Não, não irmãozinho... é bem doida até. – Ricardo endireitou a postura e continuou – Depois que a Julia desapareceu eu fiquei sem receber mais ninguém aqui, sempre dou um jeito de não deixar que as pessoas venham me visitar, você é o primeiro desde então... e... umas paradas estranhas andam acontecendo comigo. Ás vezes quando eu to quieto, sentado, eu sinto como se alguém estivesse me encarando e isso chega a me dar tonturas...!

- Rick, é normal Jou, você acabou de perder sua namorada... muitas pessoas continuam sentindo a presença de quem amam mesmo depois de elas terem morrido.

- Você tem razão irmãozinho. Mas agora com você aqui pra me atrapalhar eu tenho certeza que eu só vou sentir na minha frente o seu bafo podre de quem comeu um boi!. - Aos risos e brincadeiras eles voltaram á arrumação da cozinha.

A noite chega e a calmaria do lugar toma conta dos corpos dos irmãos. Eles se aprontam para dormir. Paulo arruma o sofá e se deita nele, o irmão sai de seu quarto e senta no outro sofá a sua frente, os dois conversam mais um pouco e no decorrer da conversa Paulo percorre o corpo seminu do irmão com os olhos. A pele morena e macia do irmão totalmente descoberta, com exceção das partes intimas cobertas apenas por uma samba-canção larga que permitia que Paulo visse a intimidade do seu irmão enquanto ele estava com as pernas abertas. O desejo proibido da adolescência ainda não passara.
As luzes se apagam e Paulo se deita virado para a sala. Não demora muito e ele começa a ter a sensação de que algo o esta encarando, face-a-face, ele pensa um pouco antes de abrir os olhos e constata que não há nada na sua frente, ele ignora a sensação e vira o rosto para o encosto do sofá. A sensação não vai embora e Paulo não dorme naquela noite.

- Dormiu bem Jou? – Pergunta Ricardo ao irmão sonolento na manhã seguinte.

- Erm... – ele pensa em contar a verdade mas não acha que o irmão deva se preocupar com sensações bobas – Sim, sim... é que fiquei cansado ontem e não dormi o suficiente.

- Preguiçoso.

Paulo ficou sozinho na casa do irmão pois ele foi trabalhar. Por vezes quando ele passa pelo quarto do irmão, ele se excita pensando na maneira masculina como o irmão dormia e como todo aquele grande corpo se esparramava pela cama, os pensamentos eram logo varridos da mente e para se distrair daquele desejo ele resolveu caminhar pela floresta. Depois de algumas poucas árvores que circundavam a casa e a estrada a floresta virava um extenso matagal com pequenas colinas.
O Sol já se punha e Paulo resolveu voltar, já chegando próximo as árvores ele tropeça e cai num pedaço descampado em forma de elipse, a terra estava empapada e ele pensou ter sujado a roupa toda de lama mas ao levantar percebe que esta inteiramente sujo de sangue, um sangue escuro com um fedor pútrido, ele se assusta e enojado tira a camisa sujando um pouco o rosto e os cabelos.

- Merda! Porra! Que merda é essa?! – Ele esbraveja e volta correndo para casa.

Ao se aproximar vê a luz acesa mostrando a chegada do irmão, ele grita sua situação para o irmão e enquanto se encaminha até o quarto onde ele esta tira a camiseta. Ao chegar no recinto ele joga a camiseta para Ricardo que pergunta oque havia demais na camiseta, Paulo a pega de volta tenso e vê que ela esta limpa, como sempre esteve, confere as mãos e o resto do corpo e constata que com exceção do suor tudo está ok.

- Não... – ele se senta na cama do irmão – eu tropecei e cai num pedaço de terra com sangue e... eu estava todo sujo...

- Você ta bem limpo agora Jou, mais limpo que eu até.

- É... eu to vendo mas... ontem eu senti alguém me observando quando eu tava deitado Rick, do jeito que você falou. Eu não disse antes porque não dei importância mas agora...

- Paulo, eu não to precisando disso agora cara... você mesmo disse que isso era normal e que...

- Ta, ta eu sei...! mas agora... eu juro Rick, juro, eu estava com sangue na roupa toda! Eu vim correndo até aqui! Eu sei oque eu disse mas agora eu acredito... ah Jou... me desculpa... você deve ta passando por um momento difícil e eu que era pra te alegrar estou te enfiando merda na cabeça.

- Paulinho... eu acho que é a Julia Jou. – Ricardo parecia começar a lacrimejar.

- Rick... não Jou, para com isso, por que ela voltaria? Ela te amava demais irmãozinho e nem foi com você não é? Foi comigo e...

- Não, Paulo... eu ando vendo coisas também, uns dias antes de você chegar um vulto passava correndo na porta do meu quarto, varias vezes, eu ouvia os passos, mesmo que eu não olhasse, eu ouvia e tava ficando louco, ainda bem que você chegou irmãozinho.

Paulo acordou ás 8:00 em ponto, estava sozinho em casa, nem vira o irmão levantar e ir para o trabalho. Ele se levantou e se aprontou para o dia que viria. Andar pela casa agora lhe dava arrepios, a sensação de estar sendo vigiado era intensa em cada cômodo, era irritante aquela sensação! Paulo estava nervoso e foi para o quarto do irmão, talvez ficar sentindo o cheiro dele, vendo o lugar onde ele se deitava, os lugares onde ele encostava ou até mesmo o fetiche pela sua toalha o acalmasse. Paulo andava pelo quarto respirando fundo, tateando com as mãos tudo o que provavelmente Ricardo encostara pela manhã. Ele olhou pela janela do quarto em direção a floresta, sentiu um arrepio ao olhar entre as árvores e se virou para se horrorizar e sentir a adrenalina percorrer todo o seu corpo junto com ondas de calor e arrepios: a cama de seu irmão estava coberta daquele sangue fétido e havia também uma mulher, pálida, suja de algo que parecia lama comendo os dejetos que estavam misturados ao sangue, de longe ele viu que havia uma pequena mão como a de um bonequinho ou como a de um daqueles fetos que ele havia visto em fotos na Internet. A mulher sem olhar pra ele disse:

- Ele precisa estar dentro de mim de novo.

Paulo correu como nunca em direção á porta da sala, ele queria sair dali imediatamente, ele chegou à sala e ao pegar as chaves do carro e a carteira se deu conta de algo, tudo no quarto do irmão estava arrumado, toalhas secas no devido lugar, a roupa suja não estava no banheiro ou na cama, ate a carteira e o crachá do irmão estavam sobre o criado-mudo. Ricardo não havia ido trabalhar e Paulo não titubeou, saiu de casa e se dirigiu para o lugar onde ele havia tropeçado.
Mais uma vez ele corria como nunca, chegou cansado ao matagal e não demorou muito para sentir o alivio de ver o irmão. O alivio passava cada vez que Paulo se aproximava, o irmão estava sentado na terra chorando desesperadamente na frente de um buraco aberto.

- Foi aqui... foi aqui que eu enterrei ela. – disse Ricardo em prantos para o irmão

Incrédulo Paulo olhava para o que jazia dentro do buraco, o corpo de Julia, se putrefazendo e fedendo muito, mas reconhecível. Ricardo começou a falar chorando como uma criança profundamente infeliz:

- Ela estava grávida... não quis tirar o filho de jeito nenhum e eu... eu não queria... ela disse que estava com raiva de mim por eu ter pedido aquilo e ia me tirar tudo... eu não queria... ela se irritou e quis me bater mas eu bati nela e ela... eu num sei o que aconteceu mas ela começou a sangrar e depois desmaiou... ela não acordava ai eu trouxe ela pra cá.

Mil coisas passavam pela cabeça de Paulo e despertavam nele sentimentos muito ruins. Como irmão foi capaz de matar uma mulher que carregava seu próprio filho? Como foi capaz de fingir que ela estava desaparecida? De sorrir? De tamanha frieza?! Só que vindos dos confins mais escuros da alma de Paulo outros pensamentos lhe trouxeram mais sentimentos ruins. Ele se lembrava do que sentia pelo irmão e de como o irmão não sentia o mesmo por ele, de como Ricardo era mulherengo e machista caçoando dos sentimentos que um homem sentia pelo outro, se lembrou de como foi o irmãozinho tão “inho” que o irmão nem se importava com sua aproximação... e agora ainda era um assassino, um porco, covarde, machista, bruto, o desprezou tanto e no final o monstro era ele.
Paulo sorrateiramente pegou a pá que o irmão usou para desenterrar Julia e sem que ele pudesse prever, o irmão pulou dentro da cova pedindo perdão ao cadáver de Julia. Aquilo acendeu ainda mais o ódio de Paulo e ele sem clemência desferiu um golpe certeiro no pescoço do irmão fazendo a cabeça se desgrudar do corpo. Paulo se deixou cair de joelhos, os olhos arregalados e as pupilas dilatadas, ele não ouvia, não sentia e não via nada além daquela cova. Mas aos poucos ele sentiu algo se aproximar e uma leve mão o tocou no ombro e uma voz infantil lhe falava:

- Obrigado titio, você é o melhor tio do mundo, fez tudo pra me agradar, eu sou o sobrinho mais feliz do mundo. Obrigado, titio.

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