A ENTIDADE DAS SOMBRAS (Conto) - Ivan M.

A ENTIDADE DAS SOMBRAS



Ivan M.





Por volta de 1799 a opulenta cidade de Glasgow na Escócia vivia agitada devido ao desaparecimento de várias pessoas, isso ocorria geralmente nas matas próximas ao castelo do senhor Walter Mac Land. Era uma região isolada da cidade, a propriedade do Sr. Mac Land fazia divisa somente com uma extensa mata local e mais adiante a algumas fazendas. O castelo foi construído estrategicamente naquele lugar: à frente era uma planície gramada que permitia avistá-lo de longe, atrás a densa e imponente mata que mais parecia uma muralha. O certo é que ninguém se aventurava naquelas redondezas, mesmo porque a estrada que levava ao castelo não servia de acesso a nenhum outro lugar. O Sr. Mac Land quase nunca saía de sua propriedade, ele era um homem alto, de cabelos grisalhos, barba longa, vestes sempre escuras compostas de capa e turbante. Os criados que serviam no castelo eram oriundos da Índia e somente um dominava o idioma local. Todo esse clima de mistério servia para fertilizar a imaginação do povo daquela região acerca daquele incógnito homem, o certo é que ele fazia jus a rumores esdrúxulos. Somente uma pessoa naquela cidade tinha acesso ao castelo, a senhora Lisa Matrew, que, uma vez por semana, levava hortaliças e ervas raras ao castelo e recebia um generoso pagamento pelo serviço prestado. Lis -como era conhecida- era viúva, seu marido havia morrido a dezesseis anos acometido por uma forte gripe, deixando-a grávida de seu único filho, que recebeu o nome do pai: Icabow Vangarret. Lis criou o filho sozinha e quando a situação financeira ficou ainda mais difícil, chegando a ponto de faltar alimentos, um criado do Sr. Mac Land a procurou com intuito de comprar algumas ervas que até então estavam sendo encontradas somente na propriedade da recém viúva - para sorte dela - começando assim o laço profissional. Ás vezes o filho a acompanhava nas entregas, embora ela não gostasse muito, pois toda vez que cruzava os portões do castelo tinha uma péssima sensação, chegando a sentir náuseas e até mesmo sudorese.

Mac Land já havia morado em vários países, era conhecedor de muitas culturas, inclusive de ciências ocultas, magias, encantamentos e alquimia na qual passou a produzir ouro, a fonte de sua imensa fortuna. Seus criados na verdade eram seus seguidores, sabiam o que ele fazia e o respeitavam pelo nível de seu conhecimento. Nos últimos anos o bruxo havia se aplicado em invocar entidades sobrenaturais para seus serviços, geralmente maléficas, e dentre elas a deusa pagã Sopedra, ele a adorava. Segundo a lenda somente um bruxo muito poderoso poderia invocá-la, tinha que conhecer toda sorte de feitiços e contra-feitiços, oferecer sacrifícios humano na primeira sexta-feira do ano. As vítimas geralmente eram atraídas pela beleza do castelo e pela curiosidade, eram atacadas quando estavam sozinhas. No afã de alcançar a suposta deusa Mac Land havia excedido nos sacrifícios e isso o tornou mais descuidado, até o dia em que mandou capturar um jovem camponês durante o dia, era quinta-feira e até aquele momento ainda não havia nenhuma vítima para seu ritual macabro. O que eles não repararam é que um amigo da jovem vítima o esperava escondido bem antes do castelo, presenciando assim o seqüestro do camponês. Imediatamente o rapaz disparou a correr em direção a cidade e quando chegou - quase desmaiando de cansaço e pavor - se pôs a gritar descontroladamente o que tinha presenciado. Uma voz no meio da multidão se ergueu e disse:

- Já chega! Vamos por um basta nessa história! Essa é a confirmação de nossas suspeitas! Não podemos mais deixar esse monstro agir, vamos invadir seu castelo e queimá-lo vivo, é o que merece os bruxos!

A multidão se armando de foices, facões, inúmeras tochas de fogo, marcharam em direção ao castelo profano. Como Lis não sabia do que estava acontecendo naquele dia, por morar longe do centro da cidade, estava com o filho no castelo para entregar as provisões, quando ouviu o barulho da multidão que se aproximava. Imediatamente os criados trancaram os portões do castelo e avisaram ao seu mestre o que estava acontecendo. O bruxo vendo a turba quase colocando o portão abaixo desesperadamente tentou invocar Sopedra, mesmo sabendo que se algo desse errado iria pagar com a própria vida. Mexendo então uma poção, chamou pelo nome sujo de Sopedra, uma fumaça densa e lenta começou a escorrer do caldeirão, foi se formando e ficando ereta e dentre ela apareceu o inimaginável: uma figura feminina nua de corpo tão belo como já mais havia se visto, o cabelo era grande e loiro ia até abaixo dos largos quadris, quanto ao rosto era sem feição. A criatura então perguntou ao mago:

- Por que ousa me invocar excremento da terra?

- Ó Sopedra, há anos lhe sirvo com oferendas e sacrifícios, agora preciso de sua ajuda.

- O que queres de mim, servo?

- Essa turba quer me destruir, me salva desses inúteis!

- Sim eu o atenderei, mas em troca quero um presente digno, novo.

Impiedosamente Mac Land arranca Icabow dos braços da mãe e o jogo em direção a entidade, que o segura com firmeza e põe a face colada a do pobre moço, ipnotizando-o diz: seu corpo e sua alma não mais o pertence, agora és meu! E desaparece juntamente com o rapaz. Minutos após, um dos servos do feiticeiro diz:

-Mestre os portões já não agüentam mais, é o nosso fim! Vamos matar também essa tola, quem sabe assim teremos uma resposta imediata? Nesse momento uma névoa preta se ergue do chão e agora uma figura semi-humana surge e diz a Mac Land:

- Feiticeiro, sua idolatrada me enviou, agora diz o que queres.

- Dizime toda essa multidão, não poupe ninguém.

Das costas da criatura saiu um par de asas marrom com pontas tão afiadas como espadas, se transformando por completo numa criatura abominável com garras de quase setenta centímetros cada e atacou a multidão. Mac Land se delicia com a carnificina e diz a seus servos:

- Empurrem essa mulher na multidão para que ela também seja devorada! Sendo a ordem obedecida de imediato.

A multidão não teve a mínima chance de escapar do seu opressor. O espetáculo de horror é rápido: gritos, corpos sendo rasgados, sangue maculando as paredes do castelo, pedaços de carne e ossos sendo jogados para o auto... Resta somente uma mulher chorando aterrorizada. A criatura para em frente à mulher olhando-a por quase um segundo e voa de volta para o castelo, posiciona-se em frente ao bruxo e diz:

- Foi sua vontade saciada? Não me incomodes mais.

- Seu idiota! Eu mandei que destruísse a todos e você deixou aquela mulher viva? Interpela o feiticeiro. A criatura cheia de ira responde a Mac Land:

- E você acha que eu mataria minha própria mãe?

Com fúria a criatura devora Mac Land e seus criados, depois desaparece em meio às sombras deixando para trás seu rastro nojento de destruição.


Fim

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