VULTOS

VULTOS

Autora: Daiane de Almeida

197"

Seguem-me, sempre que me virar ali estarão, escondendo-se na minha sombra, tão provocantemente perto, que se parar é possível que esbarrem em meu corpo.

Astutos, invocados, não se deixam apagar, jamais sumiram.

Entram pelos focos de medo, esvaem-se por dentro do corpo, como crianças em um playground.

E que forças maciças, sagazes em destruir eles têm, e que desejo ininterrupto de trucidar os sonhos eles emanam.

Estão sempre presentes, sempre ali no canto da alma.

Eric Dawoint, era sem dúvidas uma pessoa solitária, alguém que não se via, que não se notava. A não ser por Jullie, que do 7° andar de seu apartamento compacto e velho, o via por entre dois ou três minutos de todos seus dias, atravessando pela avenida central:

- Como eu queria que tu olhasses pra minha janela uma vez, apenas - suspira a garota. A mesma garota que, por seis longos meses, vivera trancada por livre vontade. Os pais de Jullie a queriam internada em um hospital psiquiátrico, pois, após a data de 2 de agosto, Jullie vivia em outro plano; mesmo estando viva, parecia não ter mais sentimentos, vontades, nem nada que uma bela e jovem garota de sua idade poderia querer naturalmente.

A porta.

Eric procurava a chave, dentro do bolso de sua calça jeans surrada, e em seguida de sua jaqueta azul.

- Onde estará...Devo de ter deixado cair em alguma rua por onde passei.

Neste mesmo instante, Jullie o vê saindo do pequeno prédio:

- O que será que houve? Ele sempre demora uma ou duas horas ali dentro - pensa a menina, olhando para o relógio. Entretida por seus pensamentos, nem se dá conta de que pela primeira vez Eric lança um olhar diretamente em sua sacada.

Os olhos de Eric são desvencilhados pelo carro que já não irá esperar que ele passe....

Susto.Um grito.

- Meu Deus!!!!!-Jullie não crê em que seus olhos vêem.

Por aquele instante ela esquece-se do mal, e corre pelas escadas, descendo tão rapidamente quanto um cão à caça de um gato.

A rua...Vazia

-Meu Deus! Alguém!

Mas parecia que as pessoas daquela rua, apenas daquela rua, haviam sumido.

Jullie o agarra pelos ombros e olha para seu rosto:

- Como és belo! Oh, meu Deus, e está gelado! Será que esta morto?

Então sua pergunta é respondida:

- Sim, ele acaba de morrer

Vagarosamente, como que em um filme em câmera lenta, Jullie vira-se. E vê o que seus olhos temiam que visse novamente. O próprio demônio em sua forma mais realista e putrefata:

- Assim que ele lançou os olhos em ti, mesmo que pela primeira vez, eu o matei para que não pudesse te ver nunca mais.. - seus lábios viscosos riam solenemente por mais uma vitória sobre um ser humano.

- Maldito seja. Tua ambição por mim nunca será ressarcida, nunca terás um pensamento meu sequer em teu nome - ela o enfrentou com os olhos tão vermelhos quanto os do próprio lúcifer, que a fitavam com prazer, comprimindo os olhos como quem de perto quer melhor enxergar:

- Minha jovem bela, teu ódio alimenta mais minha devoção à tua alma. Tua alma será minha, sempre será - completa o maldito ser.

Como a sombra feita pela nuvem no sol, repentinamente ele desaparece por entre o ar daquela tarde negra.

Havia, no entanto, algo que não tinha sido visto por Jullie: na mão esquerda de Eric havia a marca de uma chave, como se queimada ali mesmo, na palma de sua mão.

- Oque será isso? - pergunta-se tristemente, ao dar-se então importância de que ele a havia visto, e antes que tivessem trocado o primeiro olhar, ele fora tirado de sua vida.

Levaram-no então, a ambulância tardia, que chegara após o ocorrido.

Os dias se passavam, e a vida ia junto do vento rapidamente...

A vida de Jullie haveria de ter mudado naquele dia.

Aquela marca de chave na mão de seu admirado, agora morto, a deixava cada dia uma hora a menos pra dormir.

Suas noites eram curtas, repentinas, nem sonhava , até que um dia isso mudou.


Era uma porta, uma porta velha e rusticamente desenhada, repleta traços indefinidos. Era quente por ali, mas se sentia que por debaixo daquela porta um novo ar frio se misturava com o velho ar dali.

Então a porta se abriu, rapidamente, como se fosse sair um monstro assustador que a pegaria...

Mas nada daquela porta saiu. Era o silêncio incessante que lhe intrigava para adentrar por ali.

Então o fez. Nada se via além de uma cadeira, mas por um instante tudo mudara.

A porta fechara trancando-se sozinha com uma chave de ouro.

A mesma chave que marcara seu sonho destruído.

Então, como se por um instante sua mente fosse engolida por uma televisão, cenas brotavam diante de seus olhos; então ela viu oque ocorrera dias antes do dia 02 de agosto, quando pela primeira vez havia visto seu maior inimigo, Satanás.

O rapaz senta-se na cadeira e estende suas mãos:

- Quero-a, eu a quero, apenas para mim - disse Eric enfeitiçado, e olhava pra ele dentro dos olhos pútridos e avermelhados com o sangue de tantas almas amaldiçoadas.

-

Se a queres, tê-la-hás, mas eu terei a ti, tua alma e teu corpo. Esta é a condição,aceitas? - Com os olhos mais sagazes que se é possível desprezar, ele pergunta.

- Sim - responde o jovem.

Então o ser maligno lhe entrega a chave que lhe arde a mão, marcando-lhe a morte.

- Ela será sua, assim que eu a visitar e soprar-lhe no ouvido teu nome.

Assim então tudo se esclarece para Jullie.

Antes mesmo de conhecê-lo, Eric já a idolatrava e um pacto fizera.

Mas, por um desatino do tempo, o próprio demônio caíra em sua controvérsia, pois assim que a visitara, via, em seus malditos olhos, algo que queria pra si próprio...

E era algo que prometera a outro...

Jamais confie no demônio, ele traiu o próprio Deus. Por que não trairia um filho Dele?

Daiane de Almeida

dnagrunge@hotmail.com

FIM

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O MISTÉRIO DO HOMEM DE PRETO

O QUADRO DO PALHAÇO

A SÉTIMA PÉTALA